Beethoven em cinco movimentos – parte 5 (final)

beethoven

5º Movimento: O surdo que cuidou de nossos ouvidos (Finale)

Texto e ilustrações por Sergio Ricciuto Conte
Especial para o na Caixa de CD

Quando Chopin escreve, ele pensa principalmente na barriga de quem escuta. Na parte emotiva, irracional, no arrepio da pele.
Bach foca principalmente no cérebro, no modo racional de pensar o encaixe de notas, indo e vindo, o contraponto, a fuga, a arquitetura harmónica… aquela loucura toda das invenções barrocas dele, lindíssimas.

Mozart, na cabeça e na barriga ao mesmo tempo. Cabeça e barriga, razão e emoção, se misturando…quem mais quem menos, até o dia de hoje…Caetano e Chico, Paul e John, whisky e cerveja, shopping e feira. O mundo é ‘dois’.

Mas há um terceiro aspecto. Na música não tem só a parte cerebral e a parte emotiva, tem também aquela puramente sonora. Para que nos preencha uma música precisa não só da criatividade formal, nem só da inspiração poética…nos também pedimos que seja lindo o SOM, que o som seja bom, em si…nos também pedimos o cuidado fônico.

Nos pedimos que a música cuide da cabeça, da barriga, mas também do nosso ouvido. Que acaricie nosso pavilhão auricular. Que trate de considerar que, antes de mais nada, ela é uma onda que vai se relacionar fisiologicamente com um órgão, o ouvido.

Beethoven faz cafunés na gente. Ele acaricia nosso ouvido. Pensa nele. Escreve tentando cuidar dele, antes que da nossa alma, ele pensa no nosso ouvido. Cria atmosferas sonoras que só se justificam com esse objetivo: relaxar nosso ouvido. Pega as combinações de cores, os timbres anteriormente cristalizados, e os modifica, para brincar plasticamente com o som. Deixa a percussão tocar melodias, faz que as cornetas não sejam meras marcações rítmicas mas se tornem tapetes de fundo…e por aí vai. Uma boa parte da música dele é som, excelência de som e, depois, também ótimas criações artísticas.

Ele foi, portanto, o primeiro técnico áudio, aquele profissional que hoje temos por trás das mesas de som, para equalizar, otimizar, monitorar os artistas durante o show. Detalhe impressionante: ele, como sabemos, era surdo. Um deficiente auditivo, cuidando do nosso ouvido.

Também, vale refletir, deficiente no aspecto existencial, mas artisticamente a dele não era uma deficiência auditiva, mas um ganho surdo. Podemos nos perguntar: ele teria cuidado destes aspectos fônicos, se não fosse surdo? E, talvez, isso nos deixa pensar algo sobre a realidade de todo surdo. Isto é, saber que o mundo do som não é só aquele que chega na cabeça ou na barriga, mas sim, principalmente aquele que se entretém antes.

A verdade é que há uma dimensão puramente sonora da vida, e os surdos a vivenciam de um jeito deles, que pode ser excelente.
O que impressiona desta coisa da surdez de Beethoven é que ele cuidou do ouvido do mundo.

E esse cafuné durará para sempre.

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