Chico Alves deixa emprego formal para se dedicar à música

Por Ivan Accioly – Negrsx50+*
Especial para o Na Caixa de CD

Da Lapa a Niterói, de Santa Teresa à Gamboa, da Praça XV a Copacabana, por todo o mundo, quando o isolamento social provocado pela pandemia Covid-19 acabar, uma voz estará mais presente do que nunca. O cantor e compositor Chico Alves pediu demissão para se dedicar à música. A decisão veio aos 52 anos de idade, durante o período de isolamento social. Com ela, deixou o cargo executivo na empresa onde estava há 17 anos. A partir de agora, diz, a dedicação é integral à carreira de compositor e cantor.

Empenhado na divulgação do recém lançado CD Paranauê, ele conta os motivos da virada e manda o recado para produtores de shows parceiros de criação, como Moacyr Luz, Toninho Geraes e Toninho Nascimento, de que agora não recusa mais convite para cantar por ter que acordar cedo no dia seguinte.

Quem circula pelas rodas de samba do Rio, com certeza, já cruzou com Chico em uma ou várias delas, às vezes, em um mesmo dia. Como cantor ele bate ponto, por exemplo, no Samba do Peixe e no Bip Bip, ambas gratuitas; no Trapiche Gamboa, Rio Scenarium ou Carioca da Gema. É um nome cada vez mais conhecido em sua carreira solo, depois de, por anos, participar de grupos como o Unha de gato e o Sambanlangandã.

Amor pela música e decisão acelerada pela perda de amigos

“A música sempre foi meu ideal. Sempre foi o meu grande amor, mas, ao mesmo tempo, sempre tive medo de não conseguir viver só dela. Os compromissos e responsabilidades não me deixaram ir por esse caminho. Mesmo agora precisei refletir bastante, pois tenho minha mãe para ajudar e duas filhas já adultas; Thaynara, de 26 anos, e Ana Letícia, de 21, para as quais ainda tenho responsabilidades, como, por exemplo, o pagamento das faculdades particulares.”, diz Chico.

No isolamento, no entanto, a notícia da perda de amigos pela Covid-19 mexeu com o artista. “Vi a proximidade da morte. Não sei, ninguém sabe, o que vai acontecer, mas percebi que preciso fazer algo novo, me dar a chance de viver esse amor. Estamos vendo tudo acontecer e sem saber o que fazer. Então, conclui que era agora ou nunca.”

Mas, como diz, não está jogando no escuro. Ao longo da vida conseguiu guardar recursos financeiros que hoje permitem tomar a decisão. Ao mesmo tempo, sabe que já conta com uma carreira musical consolidada, o que permite a abertura de portas. “Hoje, tenho segurança econômica para investir na minha carreira na música e também já tenho dois discos muito bem avaliados, além de uma obra com parceiros importantes, pessoas que confiaram e confiam em mim.”

Livre do escritório e pronto para botar o pé na estrada

Este estágio foi alcançado conciliando os percalços daquilo que chama de “trabalho de escritório”, que o impedia de assumir compromissos musicais, mas pagava as contas e os malabarismos para cantar e apresentar seu talento. Lembra das noites de cantoria que precisavam ser curtas, para chegar cedo ao trabalho, assim como de propostas para shows no meio de semana fora do Rio de Janeiro que teve de recusar. Um exemplo é que nunca fez show no seu Espírito Santo natal. “Agora, passada essa pandemia, vou poder botar o pé na estrada.”

A música está na vida de Chico desde sempre embalada pelo hábito da mãe, Regina, que ouvia (ouve) rádio o dia inteiro e cantava. Ele diz que acordava sintonizado no AM que tocava de tudo e cita Roberto Carlos, Alceu Valença, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, entre outros. “Era uma diversidade musical que hoje não encontramos mais. Atualmente as emissoras em geral se dedicam a um único gênero e só tocam ele. As AMs do passado tocavam de tudo.”

O primeiro violão e facilidade para aprender músicas

Aos 15 anos Chico comprou o primeiro violão, mas tinha na memória a vaticinação de um amigo que lhe dissera – um ou dois anos antes – que, por ser canhoto, ele jamais aprenderia a tocar o instrumento. Chico foi adiante e aprendeu.

Depois passou a cantar numa parceria com um amigo chamado Ricardo, que tocava o instrumento. A voz era de Chico, que sempre teve facilidade para aprender músicas e, com isso, já tinha um grande repertório, mas nessa época era apenas diversão.

Como a coisa ficou séria e o Regeilton virou Chico

Em Niterói, a partir de 1998, a coisa ficou mais séria. Tão séria que até de nome Regeilton Costa Alves mudou.  Sim, você não leu errado. O nome de batismo do Chico não é Francisco, é Regeílton.

Ele conta que na cidade foi morar próximo a um bar, chamado “Campeão”, onde nos finais de semana se reuniam, entre outros, mestres como Délcio Carvalho, Walter Alfaiate, Camunguelo, Ilton do Candongueiro e Ivor Lancelotti, era uma roda de peso e sem muito espaço para o recém chegado. Mas havia a preliminar que reunia jovens como Alfredo Del Penho, Daniel Scisinio e Ivan Mendes, por exemplo. Quando estava apenas esse grupo, ele cantava e tinha um repertório predileto baseado em Chico Buarque de Holanda. Então, sempre que queriam chamá-lo, diziam “chama o cara do Chico” ou, quando o viam chegando, já diziam “Chegou o do Chico”, daí para incorporar o novo nome foi um pulo. Em pouco tempo passou a ser conhecido como “Chico” e, hoje é Chico Alves.

Uma curiosidade que revela é que tem diferentes vocativos, de acordo com o local onde está. No mundo da música é Chico. No trabalho é Ilton. Na cidade de Vitória é Gegê e, para os amigos de colégio, é Regeilton. “De acordo com a forma que me chamam, já sei de onde conheço”, afirma.

Unha de Gato, Sambalangandã e novos parceiros

E foi como Chico que abriu espaços na música, sempre chegando devagar. Começou a cantar profissionalmente no grupo Unha de Gato, que reunia os jovens músicos da roda do Campeão de Niterói. Com eles fez o acompanhamento para o Cd “Entidades” de Wilson Moreira, excursionou pela Europa e gravou o Cd “Festa pro povo”, em 2008.

Na sequência passou a comandar a roda Sambanlangandã que por sete anos aconteceu no Mercado das Pulgas, em Santa Teresa. Com o grupo gravou o Cd “Fuzuê”, em 2012. Aos poucos intensificou também a presença nas rodas do lado carioca da Baía de Guanabara e ampliou o rol de parceiros e cantores que cantam suas músicas. Hoje pode listar, entre outros, Áurea Martins, Leila Pinheiro, Simone Lial, Guinga e Quarteto em Cy.

Chico Alves com Toninho Geraes
Foto: reprodução Facebook do Chico

Em Santa Teresa conheceu Toninho Geraes numa aproximação cujo elo foi a música “Caninana” (parceria com Marcos Pinheiro), que estava cantando num dos shows. O compositor conversava com um amigo em comum, ouviu a música e disse que era louco para gravá-la, pois achava que poderia ser um sucesso. O amigo lhe disse: “essa música é do Chico”. Toninho desanimou, pois pensou que fosse o Chico Buarque, mas quando terminou o show, o amigo chamou o Chico Alves e o apresentou: “Esse é o Chico”.  Começaram a conversar e foi o início de uma parceria que já rendeu mais de 50 obras e uma amizade que leva a se falarem todos os dias e já terem planejado um disco só de afrosambas.

Carreira solo e dois CDs no mercado

Na sequência veio Moacyr Luz, que chegou brincando com Chico e dizendo que ele só fazia música com o Toninho Geraes. A parceria também deslanchou e a música “Sonho Estranho” já teve mais de 60 mil visualizações no Youtube.

Em 2017 lançou o primeiro CD solo, “Pra Yayá Rodar a Saia”, onde reuniu 13 músicas e parceiros como Moyseis Marques, Ivor Lancelloti, Toninho Nascimento e Zorba Devagar. Ouça aqui a faixa-título:

Agora, em 2020, é a vez de “Paranauê”, seu segundo solo, que, assim como o primeiro, saiu pela Biscoito Fino e está à venda na Internet. O desafio para o cantor está dobrado, pois o lançamento foi atropelado pela pandemia. A festa prevista para o 22 de abril na Teatro Municipal de Niterói, foi suspensa, assim como as marcadas para o Teatro Rival no Centro do Rio e na cidade de Vitória. A apresentação do Cd foi virtual e agora o esforço de divulgação e venda também se dá pela Internet. O disco está disponível em todas as plataformas digitais, como Spotify, Deezer e Amazon.

As 13 canções de “Paranauê” foram compostas por Chico com diferentes parceiros, como Toninho Nascimento, Toninho Geraes, Moacyr Luz e Pedro Messina. Além deles, há participações de Zé Renato, Alice Passos, Moyseis Marques e Marcelle Motta, entre outros. Ouça o álbum completo aqui:

Parcerias ecléticas e chegada ao samba enredo

Novidade na vida de Chico também foi a estreia como compositor de samba enredo e o convite veio logo para uma das grandes, a Unidos de Vila Isabel, para quem compôs neste ano de 2020 o samba.”Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil”, em parceria com Cláudio Russo e Júlio Alves. Mas, eclético, suas parcerias vão além do samba e incluem, por exemplo, Raymundo Fagner, para quem fez a letra de “Ponta de Punhal” junto com Toninho Geraes.

Um recado que Chico manda é para aqueles que convidam os músicos para festas visando a presença do instrumento ou da voz e não da pessoa. “Percebo quando me chamam para uma festa, mas, na realidade não é a mim que querem. Querem é a minha voz, querem um cantor sem pagar. É triste isso”.

De vendedor de picolé a gerente comercial

A vida de trabalhador começou aos nove anos de idade, depois que o pai, Aílton, morreu em um acidente de carro. A família, que até então vivia na cidade de Fundão (ES), onde Chico nasceu em 25 de maio de 1968, se mudou para Vila Velha e o garoto assumiu tarefas como vender picolés e pão com carne nos vagões de trem ou capinar quintal dos vizinhos, sempre para ajudar a mãe nas despesas da casa.

Nunca mais parou. Comunicativo, encontrou sua vocação no comércio onde primeiro trabalhou como vendedor numa ótica, foi promovido a gerente e depois saiu para montar seu próprio negócio. No contato com as fabricantes de óculos, fechou sua loja e virou representante comercial de uma delas.

Formação técnica e faculdade só depois dos 30 anos

Aos 30 anos, em 1998, se mudou para Niterói. No Rio de Janeiro a carreira profissional se consolidou. Foi executivo de marketing do Madureira Shopping, gerente comercial da Barcas S/A e nos últimos 17 anos, gerente comercial do Terminal Menezes Cortes. Durante esse período também investiu na formação acadêmica e se formou em administração na Universidade Cândido Mendes e fez um MBA em marketing pela ESPM.

Foi uma virada frente à formação inicial. “Como a maioria dos pobres, recorri ao Senai para fazer uma formação industrial pensando em emprego lá no Espírito Santo. Na sequência fiz o segundo grau na Escola Técnica Federal. Na época não pude fazer faculdade, pois a pública não tinha curso noturno e a privada eu não podia pagar. Fiquei, então, com o bom ensino que tinha tido do segundo grau, mas sem poder empregar, uma vez que não me sentia confortável com aquilo. Era muito cartesiano e o que eu queria era me comunicar, por isso- acho – fui pra área de vendas.”

Agora, depois da decisão tomada e morador na cidade do Rio de Janeiro há seis anos, não tem dúvidas de que vai aproveitar cada oportunidade. Já que não precisa mais bater ponto no escritório, é só soltar a voz.

*O site www.negrxs50+ é parceiro de compartilhamentos de conteúdo do Na Caixa de CD

 

Foto em destaque: Joanilson Oliveira

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