É dia de choro!

23 de abril é a data de nascimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973), o instrumentista e orquestrador que, sob o apelido de Pixinguinha, tornou-se sinônimo do choro a tal ponto que neste dia também se celebra o dia nacional deste estilo musical tipicamente brasileiro. Certa vez o maestro Heitor Villa-Lobos definiu o gênero em uma frase emblemática: “O choro é a alma musical do povo brasileiro”.

O choro, carinhosamente apelidado de chorinho, é a primeira manifestação musical popular urbana com origem nacional. Nasce em pleno século XIX, quando músicos do Rio de Janeiro “abrasileiravam” (e aceleravam) o andamento dos ritmos em moda até então – valsas, quadrilhas, mazurcas, modinhas, minuetos e polcas (populares nas danças de salão, de origem europeia), que deixam de ser executados no modo da quadratura métrica e passavam a ser tocados com base na síncope dos batuques e lundus de origem africana.

E por que choro? As teorias para a origem do nome são várias. Entre as mais correntes está a forma e estilo “choro” adotado pelos músicos que executavam o novo estilo. Há estudiosos que buscam na África a explicação. Para o historiador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), o termo veio da palavra “xolo”, um tipo de baile praticado por negros escravizados nas fazendas coloniais.

Uma das figuras centrais no nascimento do choro foi o carioca Joaquim Antônio Calado (1848-1880), flautista que integrou “O Choro de Calado”, um conjunto instrumental formado por ele, dois violonistas e um músico que tocava cavaquinho. Calado é considerado um dos criadores do choro. Sua “Flor Amorosa”, de 1867, é apontada como a primeira composição deste gênero musical. Anos mais tarde, o tema instrumental ganharia versos de Catullo da Paixão Cearense. Aqui ficamos com a versão sem letra com interpretação de Altamiro Carrilho:

Mais a popularização do choro é atribuída a nomes como o do flautista Viriato Figueira, a pianista Chiquinha Gonzaga e os compositores Anacleto de Medeiros e Ernesto Nazareth. Chiquinha não foi apenas uma pioneira do choro, mas também dos direitos da mulher. Negra e desquitada, foi a primeira mulher a viver de música no Brasil. Parte do dinheiro que ganhou com sua arte financiou campanhas abolicionistas. Compositora das revistas de teatro, eternizou vários temas e o mais famoso deles viria a ser “Ô Abre-Alas”, conhecida como a primeira música de carnaval do Brasil.

Chiquinha tinha formação clássica assim como outro grande instrumentista associado ao choro. Ernesto Nazareth apresentava-se como pianista em salas de cinema, bailes, reuniões e cerimônias sociais. Trabalhou na sala de espera do antigo Cinema Odeon e conta-se que muitas personalidades da época iam ao local apenas para ouvi-lo. Foi em homenagem à famosa sala de exibições que Nazareth batizou sua composição mais famosa, o tango “Odeon”.

Os primeiros registros fonográficos do ritmo que florescia e embalava as noites cariocas datam de 1902, executadas pela Banda do Corpo de Bombeiros e pela Banda da Casa Edison, no Rio de Janeiro. Os discos, no entanto, ainda trazem em seus selos indicações de gêneros europeus como a polca, a valsa e a mazurca. A palavra choro só viria a aparecer na indústria fonográfica associada ao gênero a partir de 1911 em composições como “Massada” (1911), de Lulu Cavaquinho, ou “Flamengo” (1913), de Bonfiglio de Oliveira (1891-1940).

É com Pixinguinha que o choro atinge seu apogeu em termos de complexidade harmônica. Exemplos desta fase grandiosa são temas como “Um a Zero” (1946) ou “Urubu Malandro” (1923). Pixinguinha também introduz mudanças formais, como a redução de três partes das composições para duas – prática que se torna comum na música popular – como se vê em “Carinhoso” e “Lamentos”, compostas em 1928.

Garoto
Garoto – Foto: Reprodução

Chiquinha, Nazareth e Pixinguinha podem carregar o estandarte de Santíssima Trindade do Choro, mas é preciso destacar instrumentistas que fizeram a história do choro, como os flautistas Patápio Siva e Altamiro Carrilho, os violonistas João Pernambuco e Garoto, os maestros e compositores Heitor Villa-Lobos e Radamés Gnattali, o clarinetista e saxofonista Luiz Americano, o maestro Severino Araújo, o bandolinista Jacob do Bandolim e o virtuose do cavaquinho Waldir Azevedo, autor de “Brasileirinho”, talvez o choro mais famoso de todos os tempos.

Os instrumentos típicos utilizados nas rodas de choro são a flauta (usada para a execução das melodias), o bandolim (melodia e acompanhamentos), o cavaquinho (melodia e acompanhamento), o clarinete (melodia), o saxofone (melodia), o violão de 6 cordas (melodia e acompanhamento), o violão de 7 cordas (melodia e acompanhamento) e o pandeiro (percussão). Eventualmente, são inseridos o piano (melodia e acompanhamento) e o trombone (melodia).
Ao executar o choro, o intérprete tem liberdade para tocar as melodias, pois não precisa seguir à risca as notas impressas na partitura. O resultado final do choro depende, portanto, da interpretação dos músicos. Os intérpretes podem improvisar sobre o ritmo das melodias ou até mesmo inserir notas não indicadas na partitura. Nos solos, a melodia inclusive pode sofrer variações, resultando num processo de improvisação tal como no jazz.

Após alguns anos sendo cultivado apenas pela velha guarda, o choro renasce na década de 1970 como parte do projeto de valorização do nacional-popular. Com o nome de “chorinho”, o ritmo passa a ser divulgado por jovens músicos como Maurício Carrilho e os irmãos Rafael (1962-1995) e Luciana Rabello, idealizadores da Casa do Choro, um espaço de preservação, referência e ensino do gênero encravado na Rua da Carioca, onde funcionavam as maiores casas de música do país onde se vendiam instrumentos musicais, equipamentos e partituras, além de ser um ponto de encontro de músicos. Preservar o choro é manter a essência de nossa música popular viva.

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