George Harrison e os 50 anos de uma obra-prima

Capa da edição especial do aniversário de 50 anos de 'All Things Must Pass', de George Harrison
Capa da edição especial do aniversário de 50 anos de ‘All Things Must Pass’

Enquanto os Beatles existiram seu talentoso guitarrista George Harrison era um compositor bissexto. Quando a banda se dissolveu, em 1970, John Lennon, Paul McCartney e o próprio George lançaram seus primeiros álbuns solos. E o mais celebrado pela crítica fora justamente “All Things Must Pass”, a bolacha tripla que o mais discreto dos beatles apresentou ao público. “Mesmo antes de começar, eu sabia que ia fazer um bom álbum porque tinha tantas canções e tinha muita energia. Para mim, fazer meu próprio álbum depois de tudo foi uma alegria. O sonho dos sonhos”, dizia George a respeito de sua obra-prima, que acaba de ganhar uma edição de luxo alusiva ao 50º aniversários do disco, com dezenas de extras, dando aos seus fás horas e horas de audição.

Produzido por Harrison em parceria com Phil Spector, “All Things Must Pass”  revelava aspectos mais amplos da vocação de George como compositor e suas 23 faixas transbordam ideias musicais. O ecletismo de Harrison alça um voo de vários estilos e influências, do rock and roll à música de concerto, com escalas no country, gospel, blues, pop, folk, R&B, música clássica indiana e canções devocionais.

Mas nada datado. O álbum sobreviveu ao tempo. “Ainda gosto das músicas do álbum e acredito que elas podem continuar a viver mais do que o estilo em que foram gravadas. Foi difícil resistir à remixagem de cada faixa. Após todos estes anos, gostaria de liberar algumas das canções da grande produção que parecia apropriada na época”, disse Harrison, por ocasião do 30º aniversário de “All Things Must Pass”.

O ex-beatle morreu, mas seu desejo ganhou forma sob a produção executiva de seu filho Dhani, produção de David Zonshine e mixagem do engenheiro de som Paul Hicks, que remixou as fitas originais de estúdio, um calhamaço sonoro: mais de 25 horas de música em 49 fitas de oito faixas de 1”, quatro fitas de 16 faixas de 2” e 44 fitas estéreo de ¼. E é tudo isso que agora pode ser ouvido na edição especial de 50 anos, também disponível nas plataformas digitais.

Dhani Harrrson pilotou o projeto daedição comemorativa de 'All Things Must Pass' - Foto: Divulgação
Dhani Harrrson pilotou o projeto daedição comemorativa de ‘All Things Must Pass’ – Foto: Divulgação

“Desde o lançamento da mixagem estéreo do 50º aniversário da faixa-título de ‘All Things Must Pass’, Paul Hicks e eu continuamos a cavar através de montanhas de fitas, para restaurar e apresentar o resto desta edição recém-remixada e expandida do álbum, que vocês agora podem ouvir”, diz Dhani Harrison. “Trazer maior clareza sônica a este disco sempre foi um dos desejos de meu pai e era algo em que estávamos trabalhando juntos até que ele faleceu em 2001.

As sessões de “All Things Must Pass” começaram apenas seis semanas após o anúncio da separação dos Beatles, em abril de 1970. Dois dias foram gastos gravando 30 demos no Studio Three no EMI Studios, Abbey Road em St. John’s Wood, Londres. No primeiro dia, 26 de maio, Harrison gravou 15 músicas com o apoio de Ringo Starr e de seu amigo de longa data, o baixista Klaus Voormann (responsável pela ilustração da capa de “Revolver”, o álbum lançado pelos Beatles em 1966), começando com “All Things Must Pass”. No dia seguinte, 27 de maio, George tocou mais 15 canções para Phil Spector. E o resto já é história.

O escopo autoral de George Harrison deslumbra. Ele havia estocado material por quase meia década, com uma série de canções – incluindo “Isn’t It A Pity” e a faixa-título – ensaiadas, mas nunca gravadas pelos Beatles. Outras canções evidenciaram a frustração crescente de Harrison com os rumos da banda mais popular do planeta, incluindo “Wah-Wah”, o dramático “Beware of Darkness”, e “Run Of The Mill”, esta última nomeada por George e Olivia Harrison como uma de suas favoritas de todos os tempos.

George durante as sessões de gravação de seu primeiro álbum solo - Foto: Reprodução
George durante as sessões de gravação de seu primeiro álbum solo – Foto: Reprodução

Escrita por George enquanto produzia a estreia solo de Billy Preston na Apple Records, em 1969, mas guardado para seu próprio álbum um ano depois, o glorioso “What Is Life” destaca o artista em seu mais exultante. No coração do álbum estavam músicas como “My Sweet Lord”, “Awaiting On You All” e a apaixonante “Hear Me Lord”, cada uma das quais simbolizava a jornada interior de Harrison durante toda a vida.

Um hino tecendo um cântico do mantra Hare Krishna e “hallelujah”, “My Sweet Lord” provou ser um sucesso mundial após o lançamento, em novembro de 1970, fazendo história como o primeiro single solo de um ex-Beatle a alcançar o Nº 1 no Reino Unido e nos Estados Unidos. Hino indelével da unidade espiritual e religiosa tem permanecido como uma das canções mais amadas do mundo, de acordo com a Rolling Stone a com a New Music Express (NME).

A estreita amizade de Harrison com Bob Dylan gerou duas canções: a abertura do álbum “I’d Have You Anytime” foi coescrita com Dylan, enquanto o clássico “If Not For You” foi na época uma composição inédita de Dylan. “All Things Must Pass Super Deluxe Edition” inclui gravações de ambas as músicas, bem como “Nowhere To Go” e “I Don’t Want To Do It”, outra canção original de Dylan mais tarde gravada por George para uma trilha sonora de 1985, mas ainda não gravada pelo próprio Dylan.

Ringo, Phil Spector, Pete Ham e George no estúdio – Foto: Reprodução

Sempre muito respeitado no meio musical, George Harrison reuniu uma lista impressionante de amigos e colegas músicos para gravar “All Things Must Pass”, incluindo Ringo Starr, Klaus Voormann e Billy Preston, juntamente com Eric Clapton e seus novos companheiros americanos de banda, Carl Radle, Bobby Whitlock e Jim Gordon (que seriam conhecidos coletivamente como Derek and the Dominoes). Pete Ham do Badfinger, Tom Evans, Joey Molland e Mike Gibbons contribuíram com a acústica adicional e a percussão.

O desejo de Phil Spector por múltiplos pianos, camadas de guitarras acústicas e mais bateria agregou os jovens Peter Frampton e Jerry Shirley do Humble Pie; Gary Wright, do Spooky Tooth; o veterano e futuro baterista da Plastic Ono Band, Alan White; Dave Maso, do Traffic; Gary Brooker, do Procol Harum; e uma robsuta seção de trompa unindo de Bobby Keys e Jim Price.

Pete Drake, lendário músico de Nashville, a meca da country music, forneceu o pedal steel guitar (guitarra de pedal de aço) em várias faixas. Os arranjos para cordas e trompete vieram do colaborador de longa data, John Barham.
O lançamento original de “All Things Must Pass” reuniu 18 músicas em dois LPs ao lado de um terceiro LP – apelidado de “Apple Jam” – mostrando quatro instrumentais improvisados, incluindo um par gravado como parte da primeira sessão de gravação oficial de Derek and the Dominoes, em junho de 1970.

Além disso, o disco “Apple Jam” inclui “It’s Johnny’s Birthday”, cantado ao som do hit de 1968 “Congratulations”, de Cliff Richard, e gravado como um presente de Harrison para marcar o 30º aniversário de John Lennon.
“All Things Must Pass” só cresceu em influência e estatura no meio século desde seu lançamento inicial, incluindo a indução no Hall da Fama do Grammy e a inclusão no The Times of London’s 100 Best Albums of All Time e na lista “The Top 500 Albums of All Time” da Rolling Stone, em 2020. Para o portal Pitchfork, “All Things Must Pass”  “mudou os termos do que um álbum poderia ser”.

george harrison

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