Mariene de Castro e Almério celebram o afeto em álbum necessário

Recém-lançado pela Biscoito Fino, Acaso Casa Ao Vivo é o feliz encontro de dois ótimos intérpretes da nova geração cujos caminhos talvez nunca cruzassem não fosse os famosos saraus que ocorrem com frequência na casa do produtor José Maurício Machline.  Exatamente cantando de improviso, ao acaso, que Mariene de Castro e Almério uniram suas vozes e talentos. A energia emanada daquele encontro foi a centelha para a realização de um show que acaba de ganhar seu registro ao vivo com belas performances em solo ou dueto dos dois cantores. O repertório escolhido a dedo remonta a pérolas da música brasileira com canções que se fazem necessárias num contexto em que conceitos tão caros à humanidade como amor e respeito andam escassos.

Esse afeto se faz sentir a cada uma das 18 faixas gravadas ao vivo em setembro do ano passado no palco da Casa do Choro. O espetáculo teve a direção de Machline. São arranjos finos e delicados com renda de bilro para baiões, xotes e sambas de nomes como Vinicius de Moraes, Baden Powell, Dona Yvonne Lara, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Dominguinhos, Alceu Valença, Geraldo Azevedo Zeca Baleiro, Chico César, Ceumar e Alice Ruiz, entre outros. O contraste das vozes de Mariene de Castro e Almério constrói um timbre único, rico em tessituras, que nos chama para um abraço apertado, um beijo, um cheiro…

Versão digital tem sete extras

Destacar canções neste trabalho é difícil assim como deve ter sido sofrido para os artistas deixar sete canções de fora, como a belíssima interpretação de Almério para Fala, dos Secos & Molhados já exaltada pelo próprio Ney Matogrosso. Felizmente, a versão digital recebeu esses extras. Mas sinto desejo de comentar da versão bluesy do cantor para o clássico Respeita Januário (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira). Quem conhece o zydeko sabe que há uma ponte musical unindo as águas barrentas do Rio Mississipi ao nosso Velho Chico.

Acaso Casa Ao Vivo nos obriga a audições seguidas, pela ordem ou não, para pescar singelezas em interpretações sublimes para canções como o medley de Avesso (Ceumar / Alice Ruiz) com Vai Dar Namoro (Chico Amado / Dedé Badaró), Lamento Sertanejo (Dominguinhos / Gilberto Gil), Na Primeira Manhã (Alceu Valença), Boiadeiro (Armando Cavalcanti / Klecius Caldas), Pau De Arara (Guio De Morais / Luiz Gonzaga), Príncipe Brilhante (Geraldo Azevedo / Carlos Fernando), Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço (Yvonne Lara / Herminio Bello de Carvalho), Deus Me Proteja (Chico César), Estrada de Canindé (Humberto Teixeira / Luiz Gonzaga), Espumas Ao Vento (Accioly Neto) e Canto de Ossanha (Baden Powell / Vinicius De Moraes), o mais famoso dos afrossambas com interessantes citações de baião e de tango. Assista, abaixo, a performance da dupla na sublime Lamento Sertanejo que é, na minha opinião, um hino da consciência nordestina:

Juntos, Mariene e Almério revelam uma parceria que nos faz exigir mais trabalhos no futuro. Vejam o amor transbordar na execução da bela Espumas Ao Vento, (“De uma coisa fique certa, amor / A porta vai estar sempre aberta, amor / O meu olhar vai dar uma festa, amor  / Na hora que você chegar”, que teve em Fágner sua versão mais conhecida:

Mariene, do Pelourinho a Paris

Ex-integrante do Timbalada, a baiana Mariene de Castro é daquelas cantoras que evocam a ancestralidade africana. Pés descalços no palco, se deixa impregnar pelas notas que a rodeiam e que são projetadas de seu expressivo aparelho vocal. Sua carreira ganhou caminhos próprios quando apresentou show solo no Pelourinho. Produtores franceses que estavam na plateia a convidaram para um turnê em 20 cidades daquele país. E assim construiu reputação internacional antes mesmo de ser conhecida do grande público brasileiro.

Compositor, cantor e ator, o pernambucano Almério é uma estrela ascendente da MPB. Ao lado de Johnny Hooker e Liniker, apresentou-se no Rock in Rio 2017. No ano seguinte, foi eleito Artista Revelação no Prêmio da Música Brasileira. Mersmo performático e contemporâneo, temo os pés fincados nas tradições musicais nordestinas. Apadrinhado por Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, fez abertura para o show O Grande Encontro, dos três artistas.

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