Musical resgata a obra de Belchior

Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (1946/2017) foi um dos maiores nomes da MPB. Literalmente. O cantor e compositor cearense gostava de repetir essa piada por conta do tamanho de seu nome de batismo, mas não se pode negar o sucesso que obteve quando trocou sua Sobral pelo eixo Rio-São paulo em busca de reconhecimento nos festivais dos anos 70. Acaba de estrear no Teatro João Caetano o musical “Belchior: ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”,  que marca os dois anos de ausência desse artista que interrompeu sua trajetória musical por vontade própria.

Sua vasta discografia inclui 22 álbuns, entre discos de de estúdio e coletâneas. Seu primeiro êxito foi “Na hora do almoço”, primeiro lugar na versão carioca do IV Festival Universitário da Canção Popular (1971) com a interpretação de Jorginho Telles e Jorge Neri. Mas o sucesso para valer veio na voz da diva Elis Regina que interpretou duas de suas músicas no espetáculo Falso Brilhante: “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais”.

Muitos outros sucessos viriam depois. Politizado, contestador, Belchior viria de fato fazer jus à piada de sua autoria e tornar-se um dos dos grandes nomes da música popular nos anos 70 e 80. Mas seus últimos dez anos de vida foram de quase total silêncio, com raras notícias, entrevistas ou shows. Este auto-exílio fez com que deixasse os grandes holofotes. O musical, felizmente, corrige essa injustiça histórica com um artista tão necessário, ainda mais neste momento que o Brasil atravessa.  “Amar e mudar as coisas interessa mais”, dizia o poeta.

O espetáculo conta um pouco da história do cantor vivido em cena pelo ator/cantor Pablo Paleologo, a partir do personagem criado em suas canções: o Cidadão Comum, interpretado por Bruno Suzano, um anônimo que  representa uma larga faixa da juventude que se vê obrigada a se conformar com os padrões da sociedade, sem nunca conseguir ir atrás dos seus sonhos. Este era um dos principais dilemas cantados por Belchior, sobretudo em “Paralelas” como nos versos “E no escritório onde eu trabalho e fico rico / Quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor”.

Belchior, o camaleônico

“Viver Belchior é, literalmente, uma alucinação. Como se estuda alguém tão enigmático, tão curioso, tão camaleônico? Admirava muito como compositor. Hoje admiro como pessoa. Belchior tinha o dom da palavra, como poucos tem. E, por opção, tornou-se o “desaparecido” da Música Brasileira. Trazê-lo de volta, transmitir as mensagens de suas músicas é um presente que me foi dado”, comenta Paleologo. “Acredito que o fato dele ter se isolado nos seus últimos anos de vida somados ao seu contato raro com a mídia, fizeram com que suas músicas fossem deixadas um pouco de lado pela geração da era digital. Aliado a isso, o contexto politico brasileiro nos sugere um poder baseado no medo, assunto muito abordado pelo cantor. Belchior é uma figura que aparece como um grito de socorro, um ouvido amigo, uma mensagem de amor para os tempos atuais”, reforça o diretor Pedro Cadore.

O texto parte não apenas dos versos do compositor, mas de suas falas em entrevistas de programas de televisão, de rádios e jornais. “Fizemos uma compilação de seu discurso e suas referências criativas numa tentativa de mostrar um pouco da sua filosofia e atmosfera”, conta Cadore, que também foi um dos organizadores do texto. “O roteiro da peça se fechou quando entendemos que o personagem dentro das músicas não era um alter ego de Belchior. Na verdade, ele estaria falando de uma larga faixa da população. A vida do criador e da criatura se confundem e, de alguma maneira, acabamos contando um pouco de sua biografia, mas privilegiando o conteúdo de seu discurso”.

Escolher um repertório de 15 canções de um artista tão complexo e com tantos sucessos foi, segundo Cadore, a parte mais trabalhosa da produção. “Fazer um musical biográfico sempre nos obriga a dar prioridade aos grandes clássicos. Nesse caso, já sabia desde o principio que não poderia faltar canções como “Alucinação”, “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, “A Palo Seco”, “Na Hora do Almoço”, “Todo Sujo de Batom”, “Coração Selvagem”, “Medo de Avião”, “Mucuripe”, “Como Nossos Pais”, “Paralelas”, “Velha Roupa Colorida”, “Sujeito de Sorte” e “Galos, Noites e Quintais”. Só isso junto já são 13 músicas!”, lembra o diretor em seu quarto espetáculo. Completam o setlist “Conheço O Meu Lugar” e “Populus”.

“Selecionar as músicas para entrar foi dos momentos mais prazerosos de todo o processo, em polaridade oposta a isso, ‘desescolher’ algumas foi pura sofrência. Se algum dia tiver oportunidade de homenagear Belchior de outra forma não posso deixar faltar “Divina Comédia Humana”, “Carisma” e “Sensual””, garante.

Um musical barato e alternativo

O lado alternativo e independente do homenageado parece ter inspirado a equipe por trás deste belo espetáculo. “Não tivemos patrocínio, nem leis de incentivo. Apenas o aporte de 20 mil reais feito pelo produtor do espetáculo. O bom de fazer um musical com essa verba é que a gente já assume de cara que somos loucos”, brinca. Loucuras à parte, é bom ver a memória e a obra deste grande artista brasileiro sendo resgatada por mais que o inquieto cantasse que o “o passado é uma roupa que não serve mais”.

 

SERVIÇO
“Belchior: ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”
Organização de Textos: Cláudia Pinto e Pedro Cadore
Direção: Pedro Cadore
Elenco: Bruno Suzano e Pablo Paleologo
Músicos: Cacá Franklin (percussão), Dudu Dias (baixo), Emíli B. Rodrigues (bateria), Mônica Ávila (sax/flauta), Nelsinho Freitas (teclado) e Rico Farias (violão/guitarra)
Direção Musical: Pedro Nêgo
Diretor de Arte e Cenografia: José Dias
Iluminação: Rodrigo Belay
Local: Teatro João Caetano (Praça Tiradentes – tel. 21 2332-9257)
Sexta-feira e sábado, às 19h. Domingo às 18h
Ingressos a R$ 40 e R$ 20 (preços populares até 28/04)
Informações e Reserva de ingressos pelo whatsapp (21) 99731-0933

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