O samba se despede de Elton Medeiros

Aos 89 anos, Elton Medeiros morreu na noite de terça-feira, 3 de setembro, num hospital de Laranjeiras, no Rio, em consequência de uma pneumonia. Imediatamente, começaram a se espalhar, nas redes sociais, as mais diversas mensagens de admiradores, jornalistas, pesquisadores e de músicos que com ele trabalharam ou nele se inspiraram.

Para definir a perda de um dos mais importantes compositores de samba, houve quem relatasse essa lenda: “Dizem que Deus, num dia de total desolação, para renovar as esperanças resolveu aprender a bater samba na caixinha de fósforo. Elton Medeiros subiu aos Céus e fez a festa.” O exagero se explica. Quando ainda era integrante da Aprendizes de Lucas, escola de samba fundada no início da década de 1930 em Parada de Lucas, Elton participou, na Rádio Nacional, da apresentação de uma Orquestra de Caixa de Fósforo, nos anos 1950. O momento foi registrado em um único disco que pertenceu ao acervo do percussionista Luciano Perrone, uma das legendas da Era do Rádio. O episódio é contado por Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira, no livro “Rádio Nacional: o Brasil em sintonia”.

Apesar de extremamente musical, o Brasil dispõe de instrumentos que sabidamente vieram do estrangeiro, mesmo aqueles tão identificados, por exemplo, com o samba ou com o choro. O uso da caixa de fósforo talvez seja um dos modos mais peculiares e, quem sabe, “autenticamente” brasileiros de se tocar música.

Esse estilo de compor e cantar teve nomes consagrados como Cyro Monteiro e Wilson Baptista. Descendente direto dessa linhagem, Elton Medeiros era um ás da caixinha de fósforo, que o acompanhava na construção de melodias que ganharam letras de ilustres parceiros como Cartola, Paulinho da Viola, Candeia, Hermínio Bello de Carvalho ou Paulo Cesar Pinheiro.

Rosa de Ouro

Também produtor e radialista, ele despontou como sambista no histórico “Rosa de Ouro”, criado em meados da década de 1960 por Hermínio Bello de Carvalho, com as estrelas Clementina de Jesus e Aracy Cortes. Participavam também Jair do Cavaquinho, Nescarzinho do Salgueiro, Nelson Sargento e Paulinho da Viola. A música-tema do espetáculo é de autoria de Elton, em parceria com Paulinho e Hermínio.

Capa de um dos discos lançados pelo conjunto  A Voz do Morro, do qual Elton fez parte

Em seguida, viria o conjunto A Voz do Morro, com a gravação de dois discos. No primeiro deles, Elton cantaria uma de suas obras-primas, “Mascarada”, em parceria com Zé Kéti, um dos componentes do grupo. No segundo disco, registraria “Coração de ouro”, samba feito com Joacyr Santana para o filme “Edu Coração de Ouro”, de Domingos Oliveira, lançado em 1967.

Da convivência em Rosa de Ouro e A Voz do Morro, ficaria para sempre a amizade e a parceria com Paulinho da Viola. Juntos eles gravariam o inesquecível “Samba na madrugada”, um dos mais belos discos do repertório do samba e que, há poucos anos, teve relançamento, em CD. Em uma das faixas, Elton canta uma de suas mais conhecidas parcerias com Cartola, “O sol nascerá”, que abre com os versos “A sorrir/ Eu pretendo levar a vida”. Foi um samba feito em poucos minutos num dos endereços mais incensados da história do samba, o Zicartola, que funcionou, por menos de dois anos, de 1963 a 1965, num sobrado da Rua da Carioca, no centro do Rio, ao lado do Cine Íris. O local foi objeto de estudo do belo livro “Zicartola”, escrito pelo pesquisador Maurício Barros de Castro.

Se é mesmo verdade ou não, difícil saber. Um dos primos Agostini (Renato, Eugênio ou Fábio), sócios de Cartola e D. Zica no estabelecimento, teria sugerido a Elton e ao fundador da Mangueira fazerem um samba, naquele mesmo momento. E assim teria surgido “O sol nascerá”.

O disco gravado pelos parceiros e amigos em 1968

Bienal do Samba

Em 1968, Elton e Hermínio Bello de Carvalho ficariam em terceiro lugar na Bienal do Samba com “Pressentimento”, que teria uma interpretação marcante de Elza Soares. Três anos antes, uma pérola da dupla fora registrada por Elizeth Cardoso no emblemático disco “Elizeth sobe o morro”.

Nos anos 1970, Elton participaria da escola de samba Quilombo, fundada por Candeia para resgatar valores originais do samba e que jamais desfilaria. Com Candeia, ao lado de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho, ele estaria no antológico “Quatro grandes do samba”, até hoje disputado a tapa nos sebos e nas feiras de vinil.

Em 1980, lançaria pela Eldorado um de seus raros discos-solo, que traria “A ponte”, com Paulo Cesar Pinheiro, e “Peito vazio”, samba-canção com Cartola registrado pelo parceiro em seu segundo disco para o selo Marcus Pereira, em 1976. Sua ligação com o fundador da Mangueira seria novamente lembrada, na década seguinte, quando, ao lado de Nelson Sargento, acompanhado pelo conjunto Galo Preto, faria o show e o disco “Só Cartola”, uma das mais belas homenagens em memória do autor de “As rosas não falam”.

Este é o disco do espetáculo que deu projeção à carreira de Elton Medeiros

No fim daquela década, faria um show, gravado ao vivo, com Zé Renato e Mariana de Moraes. Viriam outros trabalhos. Nos últimos anos, já cego e adoentado, o compositor se encontrava mais recolhido, embora continuasse a criar e a estabelecer novas parcerias.

Foi um dos fundadores do rancho Flor do Sereno, que procurou retomar a tradição dos antigos ranchos carnavalescos, tendo como sede o botequim Bip-Bip, do saudoso Alfredinho.

Legado do samba

É vasto o legado de Elton Medeiros para a música popular brasileira. Muitos hão de ter suas preferências, mas é provável que suas parcerias com Cartola e Paulinho da Viola fiquem como as mais lembradas. Ao menos uma é até hoje um dos carros-chefe nas apresentações de Paulinho e nas rodas de samba por aí, a bela “Onde a dor não tem razão”. No último domingo, em uma animada roda vespertina, no Bar do Serginho, em Santa Teresa, esse samba foi cantado por uma turma emocionada. Ninguém imaginaria que era uma despedida para esse grande melodista.

O enterro de Elton Medeiros foi marcado para a tarde desta quarta-feira, 4 de setembro, no Cemitério do Catumbi. Dia chuvoso no Rio, com nuvens e olhos cheios d’ água. Dia de cantar “O sol nascerá”.

Ouça algumas das composições de Elton Medeiros:

“Onde a dor não tem razão”, com Paulinho da Viola. Lançamento em disco do parceiro, em 1981, pela WEA:

“Pressentimento”, com Hermínio Bello de Carvalho, terceiro lugar na Bienal do Samba, em 1968. Gravação de Elza Soares no disco “Sambas e mais sambas”, de 1970:

“O sol nascerá”, com Cartola, gravação do parceiro no disco lançado pelo selo Marcus Pereira em 1974:

“Folhas no ar”, com Hermínio Bello de Carvalho, gravação de Elizeth Cardoso em “Elizeth sobe o morro”, disco lançado em 1965:

E, para encerrar, veja este belo tributo que vários artistas prestaram ao compositor, que participa de algumas canções, em episódio do programa Todas as Bossas, exibido há dois anos pela TV Brasil:

 

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