Listar os sucessos com a grife da dupla Rita Lee & Roberto Carvalho é tarefa que exige esforço. Marido e mulher, mulher e marido foram dos mais executados criadores da MPB, sobretudo no período em que a cantora deixou as bandas Mutantes e Tutti Frutti. Se na primeira, abusou dos experimentalismos tropicalistas e, na segunda, firmou-se com a rainha do rock, a paulistana Rita Lee Jones torna-se na década de 1980 uma diva pop, artista poderosa em atitude, irreverência, crítica social e sensualidade.
Tantos eram os sucessos que Rita sequer tinha tempo de olhar para o retrovisor da carreira. “Desde sempre, quando a mixagem de um disco terminava, eu nunca mais queria ouvir. Não suportava o que para mim já era considerado passado. Minha máquina do tempo tinha o vetor voltado para o futuro. Nessas, esqueci uma grande quantidade de músicas e letras que compus ao longo dos meus 50 anos de estrada. Nunca tive nenhum disco meu em casa”, conta.
Ainda bem que um de seus filhos, João Lee, não pensa assim. Formado em administração, jogou tudo para o alto para se tornar um DJ que alcançou notoriedade participando de festivais de música eletrônica no Brasil e no exterior. Num dia, contou aos pais o seu desejo em reunir a nata de DJs brasileiros e estrangeiros para remixarem a bagagem musical da dupla Rita Lee e Roberto de Carvalho no projeto “Rita Lee e Roberto Classix Remix”. “Apesar de sempre ter sido chegada numa parafernália eletrônica roqueira, confesso que pouco conhecia sobre o mundo mágico dos DJs e seus diferentes beats que hipnotizam a garotada para soltarem suas asas numa pista de dança”, comenta a mãe de João Lee.
A Universal Music se interessou pelo projeto e deu ao DJ carta branca para produzi-lo. A pandemia em nada atrapalhou os remixes, pois todos os DJs convidados têm seus próprios estúdios em casa.
“Já nos primeiros remixes que João mandava para Roberto e eu ouvirmos, era como mergulhar numa dimensão paralela, tipo a trilha sonora de um passeio num disco voador. Impressiona como esses Merlins do som (os DJs) desconstroem a música original e a transportam para muito além daquela minha tal máquina do futuro… pero sin perder la ternura, apenas convidando a tirar nossas bundas da cadeira para dançarmos livres-leves-soltos até no meio da cozinha e mandar a pandemia praquele lugar”, alegra-se Rita.
O projeto resultou em 37 remixes, que serão divididos em três volumes. O primeiro, “João Lee Presents: Rita Lee & Roberto – Classix Remix Vol. 1” já está nas plataformas digitais com 12 faixas, que a gente ouve aqui:
“Para escolher os DJs, me reconectei com conversas e encontros que tive ao longo dos anos. Muitos me falavam que gostariam de remixar ou fazer uma releitura de determinada música dos meus pais. Ou seja: foi um trabalho de conectar pontas e montar o quebra-cabeça de quem faria cada música, qual delas seria mais techno, house, latina ou mais drum’n’bass. Posso dizer que cada música tem uma história e um motivo para estar lá”, explica João.
Dois exemplos que estão presentes nesse primeiro volume são de Mary Olivetti e DJ Marky. Mary, que trouxe vibração ainda mais feminina para o clássico “Cor-de-rosa Choque”, lançado no álbum “Rita Lee & Roberto de Carvalho” (1982), é filha de Lincoln Olivetti. O músico, produtor e arranjador tocou em álbuns e shows de Rita & Roberto. E Marky, por sua vez, teve influência da mãe ao escolher “Caso Sério”. No volume 1, Marky apresenta duas versões do hit-caliente do casal. Uma bem ao seu estilo e outra surpreendentemente latina.
Entre os muitos hits absolutos de Rita & Roberto neste primeiro volume, “Mania de você” ganhou releitura de Dubdogz & Watzgood e outra de Harry Romero; “Lança Perfume”, claro, está muito bem representada com remix assinado pelo francês The Reflex; Gui Boratto fez uma releitura bastante pessoal de “Mutante”, disparada uma das canções favoritas dos fãs da dupla, na qual a voz de Rita – linda, chique e emocionante – se sobressai; “Vírus do amor”, na visão do irlandês Krystal Klear, é outra surpresa, assim como “Doce vampiro”, de Inner Soto, que ganhou uma vibe mais obscura; “Saúde” é assinada por Tropkillaz; “Nem luxo nem lixo” é do duo Chemical Surf e “Atlântida” – música celebradíssima tanto por roqueiros quanto na cena eletrônica – é de Renato Cohen.
Os “classix remix” de Rita & Roberto chegam em ótima hora, de esperanças renovadas. São uma vacina de alegria e liberdade! E que venham os volumes 2 e 3!