Sambalanço – um filme feito pra dançar

Sambalanço

Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Na Caixa de CD

Entre tulipas de chope, goladas de uísque e pedrinhas de saudade, Orlandivo Honório de Souza (1937-2017), catarinense de Itajaí celebrizado em canções como “Tudo Joia” e “Onde Anda o Meu Amor”, conversa com amigos e colegas de melodia, como o humorista e compositor Paulo Silvino (1939-2017), sobre um ritmo que requebrou muito esqueleto nos anos 1950 e 60, e que, agora, ganha a reverência do cinema brasileiro, em forma de documentário. Inédito em circuito exibidor, “Sambalanço: A Bossa Que Dança”, do cineasta Fabiano Maciel e do crítico Tárik de Souza (uma das maiores autoridades na História da MPB no país), acaba de estrear nas plataformas digitais, no Now e no Vivo Play. Em abril, ele passa no Canal Brasil.

Orlandivo, que também assinou como Orlann Divo, é um dos faróis do longa para iluminar uma travessia histórica e sociológica feita por um Rio de Janeiro com fogo pra bailar, em meio à revolução da bossa nova e à expansão do rock. Depoimentos de Elza Soares, Durval Ferreira, Eumir Deodato, Paulo Silvino, Wilson das Neves e do leviatã do ritmo, Ed Lincoln, costuram uma cartografia musical construída a partir de raras imagens de arquivo, guiadas pela voz de Tárik. Ouça “E Samba”, de Orlann Divo, do álbum “Samba em Paralelo, de 1965:

Sambalanço – a conexão possível das zonas Norte e Sul

Tárik entrevista Elza Soares para o documentário 'Sambalanço' - Foto: Divulgação
Tárik entrevista Elza Soares para o documentário ‘Sambalanço’ – Foto: Divulgação

“Fazer o documentário ‘Sambalanço’ mostrou que um pouco antes da Jovem Guarda, muito antes do funk e do estigma de cidade partida, já era possível fazer a conexão Zona Norte x Zona Sul no Rio de Janeiro, uma conexão que não era pelo trem da Central, e sim, pelos bailes nos clubes de Guadalupe e do Fluminense”, diz Maciel. “Fazer este documentário, me fez conhecer que entre o samba de Noel, Cartola e Caymmi e a bossa nova e o tropicalismo, houve, em paralelo, um samba pop, que, talvez, por isto mesmo, por ser pop, tenha sido jogado pra escanteio”.

Misturando jazz, samba e música latina, o Sambalanço vendeu milhares de discos. O que Maciel e Tárik fazem, em uma contagiante narrativa investigativa, é levantar o mito de formação desse estilo musical a partir das memórias e das vivências de seus artífices, contando com Orlandivo (morto em 2017 e também conhecido como Orlann Divo e Orlan Divo) como um exu que abre seus caminhos. A conversa com Elza, definida como “a porta-bandeira” do sambalanço, é de se requebrar nas poltronas, com a diva falando de modernidade”. É bonito ver como o longa envereda por uma geopolítica de um Rio de outrora, mostrando como os “sambalancers” desbravaram o subúrbio carioca, lotando bailes na Penha, em Inhaúma e outros bairros pouco citados da cidade partida. A base do roteiro é o livro homônimo que lançou pela Kuarup, em 2017.

“Além de Sylvio César, Orlan, Djalma Ferreira e Ed, vários outros compositores forneceram material para essa combustão rítmica espontânea, que também incorporou elementos caribenhos, via tumbadoras de Rubens Bassini e a bateria incandescente de Jadir de Castro, o que contracenou com Brigitte Bardot no filme ‘E Deus criou a mulher’, e está no nosso longa, em sua última entrevista”, diz Tárik. Ouça aqui “Eu Não Vou Mais”, um delicioso hit com batida e de samba e teclados psicodélicos à moda de Ed Lincoln:

“Entre os autores de proa do movimento encontram-se Haroldo Barbosa, Luis Reis, Luis Antonio, Helton Menezes, João Roberto Kelly, Waltel Branco, João Donato, Luís Bandeira e até mesmo os hitmakers Carlos Imperial (‘Tem que Balançar’), Roberto & Erasmo Carlos (‘Toque Balanço, Moço’), numa prova de que o movimento foi relevante até no pop. Ouça ‘Toque Balanço, Moço” em gravação de Elza em gravação de 1965:

Tanto que a estreia solo de Lafayette, o principal organista da Jovem Guarda, foi um disco de sambalanço, já que ele cultuava Ed Lincoln. Mesmo o tradicional sambista paulistano Geraldo Filme entrou nessa, com ‘Vamos Balançar’, e o megacraque Mané Garrincha arriscou sua ‘Receita de Balanço’, gravada pela então mulher, Elza Soares, a porta-estandarte do sambalanço. Seu marco de chegada foi a gravação de ‘Samba de Balanço’, epigrama da dupla Haroldo Barbosa e Luis Reis, por Roberta Sá e Marcelo D2 trazendo o sambalanço até a era do rap”. Confira o carisma de Elza e a ginga de Garrincha com “Receita de Balanço” em gravação de Elza em 1964:

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