‘Who’s Next, um álbum moderno há 50 anos

Entwhistle, Moon, Towshend e Daltrey em 1971, ano de lançamento do icônico 'Who's Next'

Por Luis Fernando Rios

 

Capa do álbum 'Who's Next' (1971), uma obra-prima da banda britânica
Capa do álbum ‘Who’s Next’ (1971), uma obra-prima da banda britânica

Os meses que antecederam ao lançamento de “Who’s Next”, em 14 de agosto de 1971, representam um período conturbado para os integrantes do The Who. Muitas dúvidas existiam a respeito de como seguir em frente. Um projeto meio “non sense” e megalomaníaco pairava na mente brilhante e desarrumada de Pete Townshend. Pedaços inacabados e não bem trabalhados de demos com possíveis boas ideias, precisavam ser melhorados. Era preciso conviver com a fama e sucesso alcançado com “Tommy” (1969) e que levou o Who a estratosfera do estrelato mundial. Tudo isso trazia mais ansiedade e incertezas.

Havia a estafa física e mental de todos e muitos sentimentos misturados por conta de tanto sacrifício para criar “Tommy” e fazer a ópera-rock emergir para o sucesso. Além dos problemas emocionais citados, o estremecimento natural dos elos de amizade entre os rapazes, ocasionada pelos desentendimentos, drogas, muita grana (e dívidas) roando, egos inflados, além do comportamento difícil de seu incontestável líder e compositor.

Eram ingredientes perfeitos para a catástrofe e provavelmente para o nascimento de um disco que poria tudo a perder. Tudo aquilo que conquistado com “Tommy” e também com os discos anteriores estava em risco. Aquele ano de 1971 prenunciava muitos problemas.

Seria possível criar um álbum ao nível da reputação construída e mantivesse a banda no topo?

Havia mais um detalhe importante que pode nos fazer entender o contexto da época. Led Zeppelin, Faces, Rolling Stones e outras bandas estavam em ascensão e tomavam de assalto os primeiros lugares das paradas. De fato, o Who precisava de um disco que fizesse jus ao que eles eram naquele momento. A ascensão da banda não podia parar.

Falando das composições especificamente, a ópera rock que Townshend queria finalizar (“Lifehouse”) não decolava. Porque, sem dúvida, era impossível se terminar algo tão despropositado.

Enfim, ficou decidido pelo abandono da megalômana “Lifehouse” e algumas daquelas músicas começaram a ser finalizadas. Glyn Johns foi o produtor, que evidentemente teve muito trabalho para direcionar o novo projeto e fazer nascer do caos e da tensão que reinava no ambiente da banda, o que apreciamos já numa primeira audição do álbum.

The Who no palco: rock and roll na veia em fartas doses de explosão - Who' Next
The Who no palco: rock and roll na veia em fartas doses de explosão

“Who’s Next” retrata perfeitamente o que tinha se transformado a banda. É um álbum visceralmente pesado e que transparece dor, sofrimento e ao mesmo tempo, alívio. A agressividade, inventividade e a tristeza estão misturadas em todas as faixas, entre as baladas e os rocks espetaculares. Se percebe de imediato um disco renovador, revigorante, denso, com todos os integrantes no seu ápice técnico e colocando tudo nas músicas. Tenho a certeza de que se eles tivessem insistido na tal ópera rock, o The Who que passamos a conhecer, a partir de 1971, nunca teria se mostrado como neste disco épico e fundamental para qualquer apreciador de rock and roll.

As músicas todas são excelentes e com uma personalidade totalmente diferente de tudo o que a banda havia feito até aquele momento. Há as canções que na minha opinião são desequilibrantes e que fazem do álbum uma verdadeira obra prima. “Baba O’Riley”, “Behind Blue Eyes” e “Won’t Get Fooled Again” são desbundantes e fazem você pirar. Elas são realmente fantásticas!

Achei que era merecido falar de cada uma delas com certo detalhamento, para registrar as percepções que tive enquanto ouvia durante a confecção destas linhas. Claro que já as ouvi milhares de vezes e essa experiência me ajudou bastante agora. Veja você o que nota ao ouvir e escreva sua própria resenha mental sobre essas pérolas.

Seja em vinil, fita cassete CD, MP3 ou streaming coloque “Who’s Next” pra tocar e se delicie com os arroubos de loucura rítmica de Keith Moon. Com a serenidade angustiante e brilhante de John Entwistle. Com as vocalizações inigualáveis e profundas de Roger Daltrey. E finalmente, com a inventividade dos sintetizadores e com a guitarra que berra e cuspindo notas que saem de suas cordas, ansiosas por encontrar nossos tímpanos e produzir um impacto demolidor. Pete Townshend é capaz de disso.

O Lado 1 começa já destruidor e surpreendente.

“Baba O’Riley”: inovação na utilização de sintetizadores e sequenciadores que trouxeram ao Who uma sonoridade muito moderna pra época. O solo de violino no final mostra que a banda queria achar algo de novo para seu som. Essa canção foi a mostra inicial de como as dúvidas, incertezas e discordâncias foram resolvidas ao longo do processo de composição. O riff pesado e a cadência forte, marcante, confere a essa música uma potência que nunca tinha aparecido em nenhuma composição da banda. Ela tem uma linha de baixo sensacional. Os vocais de Daltrey e Townshend juntos são  algo notável. E Moon solta o braço e ajuda a dar o verdadeiro peso. Ao perceber tudo isso, vale colocá-la pra tocar de novo, prestando mais atenção e assimilando mais profundamente a harmonia e o peso que ela possui. Abrir o disco com ela foi um tiro certeiro. “Baba O’Riley” transcende “Who’s Next” e até hoje é um cartão de visitas da banda.

“Bargain”: Muito melódica. A voz de Daltrey encontra um meio termo entre a melodia e uma certa agressividade. Um violão belíssimo e o sintetizador compondo a harmonia da canção, que encontra também um peso no final com um solo marcante de guitarra.

“Love Ain’t For Keeping”: Um country rock levado pelo violão e a batida arrastadamente maravilhosa de Moon. Os vocais de Daltrey são também destaque, levando a melodia a níveis celestiais. Viradas de Moon e um solo de violão encantam e arrepiam. Entwistle segurando tudo nas quatro cordas.

“My Wife”: Entwistle compôs, tocou piano e cantou nesse puro rock and roll. A guitarra que aparece com aquelas notas descadenciadas e um naipe de metais, dão mais uma vez a diferenciação que a banda buscava. O baixo é pesado e presente. Cheio de “Typewriting” (percussão com os 4 dedos da mão direita nas cordas) e tocado num alto volume como convém.

“Song Is Over”: Pianos de Nicky Hopkins e teclado abrem, seguidos das harmonias de guitarra e o vocal a cargo de Townshend. Daltrey entra com um vocal mais agressivo e o duo de voz enriquece a melodia. Um solo de guitarra e depois de piano e a quebradeira de Moon é puro The Who. Os sintetizadores crescem do meio pro fim dando a música uma característica diferente, com efeitos que transformam uma balada normal numa canção com variações, tempos, acelerações e uma veia progressiva.

O Lado 2 do vinil começa mantendo o nível alto das composições.

“Getting In Tune”: Uma das mais lindas músicas do Who. O baixo é inacreditavelmente criativo, o vocal melódico, o piano perfeito, novamente a cargo de Nicky Hopkins. As batidas de Moon e suas viradas interminavelmente fascinantes e a guitarra solando e harmonizando todo tempo são de chorar… ahhh, os backing vocal aqui são uma aula e a aceleração da cadência com todos juntos no final é algo que te faz querer balançar a cabeça sem parar!

“Going Mobile”: É mais uma canção com uma levada country cantada por Townshend e embalada por sua viola e o baixo segurando tudo pras viradas insanas de Moon. Em certo momento, entra um sintetizador belíssimo dando aquela quebrada na cadência. O solo de guitarra é espetacular e junto com ele a música cresce até um ponto que volta ficar melódica! E isso fica se repetindo… é uma maravilha!

“Behind Blue Eyes”: O que falar dessa faixa? Ela é uma das músicas mais inacreditáveis e maravilhosas que se compôs! É completa! Descrevê-la é perda de tempo. Você tem apenas que ouvir e ouvir. E ela não deveria acabar nunca! Você vai sentir a melodia, o baixo desconcertante, o dedilhado do violão, a levada de Moon quando ela explode e revela-se poderosa… suas fibras menos sensíveis vão contrair e te fazer sonhar e se emocionar.

Foto de Ethan Russel para uma capa alternativa de 'Who's Next'
Foto de Ethan Russel para uma capa alternativa de ‘Who’s Next’

“Won’t Get Fooled Again”: Estamos tratando aqui de uma das canções mais sensacionais que uma banda de rock já compôs. Ela tem 8 minutos e 31 segundos de pura inventividade. Os sintetizadores no início trazem um suspense. A guitarra agressiva de Townshend entra junto com as batidas destruidoras de Moon e  produzem uma sensação de empolgação instantânea. Daí você vai percebendo que parece que as linhas de baixo estão sendo entoadas de dentro pra fora do seu corpo. Entwistle faz com seus dedos da mão esquerda no braço do baixo funcione como um slide. Não à toa, é considerado por muitos o maior baixista de todos os tempos do rock. Nesse momento, sua cabeça já está balançando e a imersão total já aconteceu. Os solos de guitarra de um dos maiores guitarristas de todos os tempos, os teclados dando a base, o groove de Entwistle, o piano incidental e preciso pra enriquecer a melodia, acordes de violão, os vocais e gritos sacrosantos e magistrais de Daltrey… tudo isso vai te deixado de olhos arregalados… e o braço direito de Townshend continua a girar, girar, e girar… Pra sempre!

Deixo aqui o link do álbum no Spotify com 21 extras, entre registros ao vivo de canções do álbum e algumas versões remasterizadas em 2003 e faixas que ficara fora do memorável “Who’s Next”. Deste vasto material percebe-se a excelência de uma banda singular e moderna… desde 1971!

2 thoughts on “‘Who’s Next, um álbum moderno há 50 anos

  1. muito massa seu blog! não conhecia. the who pra mim é a banda numero 1. pra mim está acima de beatles e stones. ouço desde os 13 anos incansavelmente, até hoje, estou com 47. esse disco é uma obra prima. tem um disco muito massa do roger daltrey com o wilco johnson que merece um post (se já não o tiver). valeu! abs!

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