30 anos sem Gonzaguinha

Trinta anos se passaram e eu apenas queria que você soubesse que esse grito de alerta ainda percorre os caminhos do coração. E o que é, o que é? Não dá mais pra segurar e o nosso coração explode de saudades daquele poeta que mergulhou no lindo lago do amor antes de pôr a perna no mundo. Neste 29 de abril o Brasil precisa lembrar dos 30 anos da morte de Gonzaguinha, aos 45 anos, num acidente automobilístico numa estrada do Paraná.

Mas, em vez de chorar sua partida, o melhor a se fazer é celebrar essa obra singular, carregada de brasilidade. O filho de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, não seguiu os passos musicais do pai. Este carioca do Morro de São Carlos pegou um sonho e partiu: cantou o samba, o amor e as mazelas de nossa gente, foi voz que se ergueu com arte diante do arbítrio e por isso faz tanta falta. E temos certeza de que ele começaria tudo outra vez se preciso fosse.

Uma maneira de lembrar o homem e sua música é uma apresentação do musical “Gonzaguinha – O Eterno Aprendiz”, com o ator cantor Rogério Silvestre, às 19h30, com transmissão on-line gratuita no canal do Teatro Rival Refit no YouTube sem plateia. A organização do espetáculo conta com a contribuição solidária para cobrir os custos de produção, aluguel do teatro, transmissão ao vivo, equipe técnica e artística da apresentação. E a cada R$ 50 doados será oferecido um CD autografado pelo protagonista do espetáculo.

Embora fosse um melodista sofisticado e um poeta complexo, Gonzaguinha era um filho do povo e por ele era tão compreendido e amado com seu jeito moleque, irônico, contestador e, por que não, ao mesmo tempo dono de um romantismo latente. Tanto que suas canções eram frequentes em trilhas sonoras de novelas, séries e minisséries de TV, num total de 26 participações nessas produções desde 1977, quando “Espere por Mim, Morena” estreou na trilha da novela “Locomotivas” (TV Globo).

Em 2017, Gonzaguinha foi tema do carnaval da escola de samba Estácio de Sá, lá do seu Morro de São Carlos, com o enredo ‘É! O Moleque desceu o São Carlos, pegou um sonho e partiu com a Estácio!’, enquanto, no Carnaval de 2019, o Império Serrano escolheu como samba-enredo sua famosa “O Que é, o Que é?”.

E em março deste ano foi descoberta a inédita “Meu Santo”, composta há 41 anos, para o disco “Talismã” (1980), de Maria Bethânia, que não chegou a ser gravada.

“É muito importante, neste momento que estamos vivendo, levarmos as palavras e a música de Gonzaguinha para um número, cada vez maior, de brasileiros”, comenta Rogério Silvestre, que promete trazer nesta versão comemorativa do espetáculo histórias e canções que não estão no roteiro original do musical. Estarão com o ator e cantor nesta homenagem, os músicos Rafael Toledo (diretor musical, violão e voz), Cacá Franklin (percussão), Dudu Dias (baixo), Paulo Bonfim (bateria) e a cantora Imyra Chalar.

O espetáculo apresenta 16 canções assinadas pelo próprio Gonzaguinha – “Explode Coração”, “Recado”, “Começaria Tudo Outra Vez”, “Moleque”, “Sangrando”, “O Que é o Que é?”, “Ponto de Interrogação”, “Eu Apenas Queria Que Você Soubesse”, “Com a Perna no Mundo”, “Grito de Alerta”, “De Volta ao Começo”, “Palavras”, “É”, “Diga Lá, Coração”, “Espere por Mim, Morena” e “Vamos a Luta” – que misturam xote, samba, baião e música romântica que foram gravadas pelos maiores nomes da nossa MPB.

Gonzaguinha menino e sua mãe Odaléia Guedes dos Santos, que foi crooner do Dancing Brasil e era crooner e cantou com Elizeth Cardoso - Foto: Reprodução
Gonzaguinha menino e sua mãe Odaléia Guedes dos Santos, que foi crooner do Dancing Brasil e era crooner e cantou com Elizeth Cardoso – Foto: Reprodução

Filho de Luiz Gonzaga e da cantora e dançarina Odaléia Guedes dos Santos, crooner do Dancing Brasil, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior nasceu no Rio em 22 de setembro em 1945. Ficou órfão cedo, sendo criado pelos padrinhos Henrique Xavier e Dina. Gonzaguinha aprendeu cedo a fazer música no convívio com Pafúncio, membro da ala de compositores da Unidos de São Carlos (atual Estácio de Sá). Os primeiros acordes de violão ele aprendeu com o padrinho, que era conhecido como Baiano do Violão.

Do pai, recebia algum dinheiro para pagar os estudos e visitas esporádicas. O jovem ia crescendo e aprendendo as durezas da vida. Aos 16, decidiu morar com o pai para seguir com os estudos. Na época, Helena, a esposa do Rei do Baião, não aceitou o garoto, a quem chamava de “bastardo”.

Em 1967, ingressou na Faculdade de Economia e as primeiras composições nasceram nas rodas de violão na casa do psiquiatra Aluízio Porto Carrero, pai da atriz Ângela Leal, com quem se casou e teve os filhos Daniel e Fernanda.
Nessa época, ficou amigo de Ivan Lins, César Costa Filho, Aldir Blanc e Dominguinhos, com quem fundou o Movimento Artístico Universitário (MAU). Participou de festivais universitários, tendo vencido um, em 1969, com a música “Trem”. Gonzaguinha lembrava, com seu humor peculiar, quer esta conquista lehe rendeu uma das dez maiores vaias da MPB.

A grande mudança veio em 1973, quando se apresentou no programa de Flávio Cavalcanti, com a música “Comportamento Geral”. Acusado de “terrorista” pelos jurados, recebeu uma advertência da Censura Federal no dia seguinte. Mas a polêmica causada levaria sua música a ocupar as paradas de sucesso e seu compacto logo esgotou.

Nessa época de perseguições e de censura pelo regime militar, a música foi proibida em todo o país. Gonzaguinha foi levado ao famigerado DOPS para prestar esclarecimentos. Mesmo com a perseguição e várias músicas censuradas, gravou os discos: “Gonzaguinha” (1974), “Plano de Voo” (1975) e “Começaria Tudo Outra Vez” (1976). Esse último disco representou uma virada em sua carreira. A música título foi um grande sucesso, e a partir daí suas músicas se tornaram mais românticas, mesmo sem abandonar as preocupações sociais.

Em 1979, na voz de Maria Betânia, o compositor estourou no mercado musical com “Não Dá Mais Para Segurar”, que ficou conhecida como “Explode Coração”, que vamos ouvir na gravação original na interpretação magnífica da intérprete baiana:

Em 1981, iniciou uma turnê pelo país ao lado de Luiz Gonzaga, com o show “Vida de Viajante”, o que selou o reencontro dos dois e emocionou o Brasil.

Gonzaguinha é também pai de Amora, fruto de sua relação com Sandra Pera, do grupo As Frenéticas, pra quem compôs várias canções que se tornaram sucesso como “O Preto que Satisfaz”, “Marcha do Povo Doido”, “A Felicidade Bate à Sua Porta”. Vejam esta versão ao vivo de “O Preto Que Satisfaz”, ao vivo no Coliseu de Lisboa, em especial gravado para a RTP, em 1980:

Em seus últimos 12 anos de vida, Gonzaguinha viveu em Belo Horizonte, com sua terceira esposa, Louise Margarete, com quem teve a filha Mariana. Gonzaguinha faleceu em Renascença (PR), no dia 29 de abril de 1991, após sofrer um acidente de carro na estrada, indo de uma cidade a outra, em turnê.

Gravou 19 discos e foi responsável por alguns dos maiores sucessos radiofônicos da MPB, decisivos para as carreiras de cantoras como Maria Bethânia (“Grito de alerta”, “Explode coração”), Simone (“Sangrando”, “Começaria tudo outra vez”), Joanna (“Uma Canção de Amor”, “Quarto de Hotel”, “Caminhos do Coração”). Neste especial do programa Ensaio (TV Cultura), ele repassa seus momentos em música e fala e nem parece que nos deixou tão cedo:

Gonzaguinha foi gravado pelos grandes nomes da nossa música, como  Zizi Possi (“Explode Coração”, “O Que é o Que é”), Raimundo Fagner (“Cavaleiro Solitário”, “Guerreiro Menino”), Ângela Maria & Cauby Peixoto (“Começaria Tudo Outra Vez”), Elza Soares (“Comportamento Geral” na trilha da minissérie ‘Segunda Chamada’), Ney Matogrosso (“Comportamento Geral” na trilha da novela ‘Éramos Seis’), Elba Ramalho (“Festa”), As Frenéticas (“A Felicidade Bate à Sua Porta”), Alcione (“E Vamos a Luta”), Emilio Santiago (“Com a Perna no Mundo”), Oswaldo Montenegro (“Chá, Pó e Poeira”), Nana Caymmi (“De Volta ao Começo”), Leila Pinheiro (“Diga Lá, meu Coração”), Claudya (“È”), Selma Reis (“Grito de Alerta”), Gal Costa (“Gosto de Amar”), Dóris Monteiro (“Geraldinos e Arquibaldos”), Marlene (“Galope”),  Wanderléa (“Eu Nem Ligo”), Roberto Ribeiro (“Fala Brasil”), Elis Regina (“Eu Apenas Queria Que Você Soubesse”).

Faz muita falta!

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