Al di Meola investe em seu lado compositor

Com 45 anos de uma carreira que inclui prêmios Grammy e da revista “Guitar Player”, o guitarrista Al Di Meola lançou no ano passado seu 25º álbum de estúdio, “Opus”. Tive a oportunidade de entrevistá-lo, por email, dias antes do início da turnê sul-americana, iniciada em 25/7, em Montevidéu, e que inclui apresentações em São Paulo (28/7),  Porto Alegre (31/7) e no Rio, em 1/8). Músico marcado por sua habilidade na guitarra elétrica e violão, Di Meola é um dos pioneiros do movimento jazz fusion, a mescla de vários ritmos regionais com o jazz e o rock.

Mal saído da conceituada Berkeley School of Music e ainda com 19 anos, foi convidado por Chick Corea para integrar o Return to Forever. E assim teve início uma rica trajetória, na qual dividiu estúdios e palcos com Jaco Pastorious, Stanley Jordan, Jean-Luc Ponty e outros. Já com a sua própria banda, testou várias formações de instrumentos e gravou tributos inesquecíveis para as obras dos Beatles e de Astor Piazzola. Seu trabalho mais reconhecido  mundialmente foram os três álbuns de música flamenca gravados com Paco de Lucia e John McLaughlin, entre 1981 e 1996.

Aos 63 anos e vivendo em Munique, na Alemanha, Di Meola revela que seu senso e desejo de explorar novas musicalidades ainda existe. “Eu nunca estou satisfeito e sempre me esforço para explorar a musicalidade através de novas canções, novos ritmos, novas construções melódicas”, disse em entrevista por e-mail. E conta que na sua alternância entre a guitarra elétrica e violão a paixão anda batendo mais forte pelo último.”É mais difícil, você não tem como enganar o público! Você tem que tocar de forma limpa e clara”.

 

O senhor está lançando o 25º álbum de estúdio. É uma longa trajetória iniciada no lendário Return to Forever. Foram tantas fases e experimentos musicais. O que podemos esperar de “Opus”?

Al Di Meola – Todos esses diferentes álbuns e músicos com quem tive a sorte de trabalhar moldaram minha música e minha forma de compor. Então “Opus” é um bom resumo de todas essas influências. Com este trabalho, queria estimular as minhas habilidades de composição porque acho que sempre fui considerado mais intérprete do que compositor.  E, pela primeira vez na minha vida, escrevi música sendo feliz. Estou num relacionamento maravilhoso com a minha esposa (a jornalista alemã Stephanie di Meola), tenho uma filhinha e uma família linda, que me inspira todos os dias. Acredito que isso apareça na música.

O senhor tem descendência de italianos e estar bem em família sempre é importante.

Além disso, é um álbum muito pessoal. Uma viagem para a aldeia do meu avô nos arredores de Nápoles, por exemplo, me inspirou a escrever “Cerreto Sannita”. A ilustração da capa é o brasão de armas original da nossa família! Foi algo surpreendente e que descobri lá. E  a foto da contracapa mostra a porta da casa que meu avô deixou para trás quando decidiu começar uma nova vida nos Estados Unidos.

Percorrer sua discografia é como fazer grande viagem pelo mundo através da música. E o senhor navegou por vários estilos com inúmeros parceiros. Do jazz ao rock, com incursões pelo pop, ?amenco, world music, ritmos latinos e até música brasileira. Há algum ritmo ainda a ser explorado?

Nunca estou satisfeito e sempre me esforço para explorar a musicalidade através de novas canções, novos ritmos, novas construções melódicas. Hoje posso dizer que estou bastante interessado em música africana, asiática e árabe. Há muito mais para descobrir!

O senhor já participou de trabalhos de estúdio com brasileiros, entre eles Airto Moreira. Como essas reuniões aconteceram? Como foi trabalhar com ele?

Sou um grande fã e altamente influenciado pela música brasileira e sua diversidade. Uma influência extraordinária. Airto estava no meu grupo Al Di Meola Project e já era considerado um lendário percussionista pela plateia do jazz americano através de sua associação com músicos como Miles Davis e Chick Corea.

E o que o senhor conhece sobre guitarristas e violinistas brasileiros?

O Brasil, em particular, tem um dos mais ricos vocabulários de guitarra e nomes que têm sido uma influência direta sobre minha personalidade musical. Tenho escutado, através dos anos, trabalhos como os de Villa-Lobos, Egberto Gismonti e tantos outros.

Ao longo de sua carreira, o senhor alternou os casos de amor entre a guitarra elétrica e a violão. Explique sua relação com os dois lados desse fascinante instrumento.

Amo os dois, mas, hoje em dia, uso muito mais o violão. É mais difícil, você não tem como enganar o público! Você tem que tocar de forma limpa e clara. Com a guitarra elétrica e todos os efeitos que os músicos têm à disposição, podemos realmente tirar sonoridades fantásticas, mas a técnica não precisa ser perfeita. Com o violão,  é diferente. Eu me sinto desafiado pelo instrumento e gosto deste desafio que ele me propõe.

Em seus trabalhos com violão é impossível não mencionar a parceria com Paco de Lucia e John McLaughlin, três virtuosos unidos pela energia da música ?amenca, que seduziu milhões de pessoas. Quando e como nasceu este projeto?

Quando eu tinha 19 anos, mal havia saído da Berkeley School, me juntei ao Return to Forever. E nossa primeira turnê mundial nos levou à Espanha. Lá todo mundo estava falando sobre este incrível músico flamenco chamado Paco de Lucia. Fui até uma  loja de discos e comprei alguns álbuns. Fiquei fascinado e determinado a fazê-lo trabalhar comigo. Houve uma ocasião em que a minha gravadora na época o levou para Nova York, onde eu estava gravando “Elegant gypsy”. Ele não falava inglês e eu não conseguia me comunicar bem em espanhol. Foi estranho para nós dois. Mas então um amigo meu trouxe algo para fumar, ele relaxou e nós gravamos “Mediterranean Sundance” na primeira tomada. Aquela faixa tornou-se o maior sucesso do álbum. Então, mais tarde, meu agente teve a ideia de criar um trio de violões e eu realmente queria ter Paco. John foi o terceiro. Tínhamos estilos diferentes que se completavam de maneira singular. Estávamos em uma competição saudável e posso dizer que criamos tempestades de fogo com nossos violões.

Toda a crítica especializada e os músicos, em geral, se impressionam com a rapidez com que você toca os acordes. Particularmente, acho que o flamenco é o ritmo mais apropriado para deixar essa técnica surgir. O senhor pode comentar isso?

Quando comecei a tocar guitarra, aos 9 anos, tive uma professora que me ensinou a importância das escalas. Isso é algo que os guitarristas do rock e do pop não podem realmente fazer. Mais tarde, fui apresentado ao flamenco e tirei alguns de seus elementos para criar o meu próprio estilo. Nada que faço é clássico. Tudo está misturado do jeito que acho que funciona.

Há alguns anos, ouvi um testemunho seu sobre o primeiro encontro com Les Paul. Você pode nos dizer como aconteceu?

Foi um dos meus primeiros shows em Nova York e eu estava no camarim comendo pizza. Então, ouço alguém entrando na sala dizendo: “Ei, que guitarra é essa que você toca?” E eu me viro pronto para dizer “Les ……”, e lá estava ele, Les Paul! Ele se tornou um dos meus amigos mais queridos, passou a frequentar minha casa em Nova Jersey, assim como passei a frequentar a dele. Ele não era apenas um dos grandes artistas americanos, mas também um verdadeiro inventor.

Um trabalho seu que desperta grande interesse é o seu tributo aos Beatles. Tantos músicos renderam homenagens a eles. Mas há tanta sensibilidade na sua …O que o motivou a dedicar um álbum inteiro a esta banda? Essas versões já estavam sendo trabalhadas até a gravação do álbum ou o projeto nasceu de uma só vez?

Eu não seria um guitarrista se não fosse pelos Beatles. Eles são meu primeiro grande amor, a razão pela qual eu queria tocar guitarra. Eu tinha esse desejo de dedicar um álbum a eles fazia um bom tempo. Houve uma temporada que passei pela Europa e minha vida pessoal não ia bem: estava passando por um divórcio amargo e não tinha vontade de regressar aos Estados Unidos. Uma das coisa que fiz nessa época foi escrever minhas próprias versões de suas músicas. Ao ouvi-las, um amigo disse: “Ei, por que você não grava no Abbey Road?”. Eu nem sabia que o estúdio ainda estava aberto. Então, reservamos o estúdio por uma semana. Para mim, foi como ir à Disneylândia. Um dos meus maiores sonhos se tornava realidade. No mesmo verão, aluguei uma casa nos Hamptons e descobri que Paul McCartney era meu vizinho do lado. Que experiência incrível!

Gostaríamos de saber um pouco sobre o seu processo criativo. Com que frequência o senhor compõe? Os temas lhe vêm de maneira espontânea, ou o senhor dedica um tempo específico para trabalhar nas composições?

Pratico no instrumento todos os dias e quando toco algo novo, gravo no meu telefone. Mais tarde, escrevo à mão. Funciona como meditação e eu tenho muitos temas inacabados que posso pegar de novo e trabalhar neles. Se trabalho em um disco inteiro, costumo fazê-lo no meu apartamento em Miami. Abro as portas à noite e é o ambiente mais criativo que posso imaginar.

Falando de processos musicais, sabemos que o senhor é um virtuose, mas tem uma base teórica sólida. Gostaríamos de ouvir algumas palavras sobre a importância deste equilíbrio, especialmente para os jovens músicos, em início de carreira.

Para mim, escrever música é uma verdadeira forma de arte. Dá a você a base para ir mais fundo na música. Eu só posso incentivar jovens músicos a ler e escrever e a trabalhar com seu instrumento.

Vamos voltar um pouco ao passado. Como foi juntar-se a Chick Corea com apenas 19 anos e recém-saído de Berkeley? Como foi viver com ele e quais foram suas impressões sobre esse período?

Foi como um sonho que se tornou realidade. Return to Forever foi minha segunda banda favorita depois dos Beatles e eu nunca vou esquecer o telefonema do Chick perguntando se eu queria entrar para a banda. Meu primeiro show com eles foi no Carnegie Hall. Eu ainda morava com os meus pais. Foi um período mágico para a música e eu me sentia no topo do mundo!

O senhor conta que começou seus estudos musicais cedo. Fale sobre seu relacionamento com a música. Veio do berço?

Eu caí de uma árvore alta quando tinha 7 anos. Foi uma recuperação longa e complicada. Passei dois meses internado e quase morri. Depois disso, passei a ouvir e perceber as coisas de uma forma diferente. Comecei a ter aulas de violão. Foi assim que tudo começou.

O senhor é uma influência notória para muitos músicos. Mas quem influenciou Al Di Meola?

Fui muito influenciado pelos Beatles, por  Chick Corea. Mais tarde, minha maior influência viria a ser Astor Piazzolla. Ele mudou radicalmente a maneira como eu ouvia música. Piazzolla fazia seu público chorar, suas melodias tocam direto e fundo em nossos corações. Dediquei um álbum à sua obra e posso dizer que foi a música mais difícil que eu já toquei. Ele foi além dos limites. E é o que eu estou decidido a fazer com a minha música!

Confira abaixo uma seleção de vídeos que destacam vários trechos da carreira deste exímio guitarrista:

 

*Publicada no Jornal do Brasil em 25/7/2018

 

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