Cecília Beraba, a parceira caçula de Jorge Mautner

Cecilia Beraba (por Ana Lúcia Araújo)
Cecília Beraba
Capa do álbum ‘Só o Amor Pode Matar o Medo’, de Cecília Beraba

Jovens cantores gostam de gravar tributo aos artistas que, de alguma forma, os influenciam. É comum. Incomum é quando o cantor já possuí parceria consolidada com o homenageado, assim como a jovem cantora e compositora Cecília Beraba tem com o já octagenário Jorge Mautner, um peso pesado da música brasileira. O recente “Só o Amor pode Matar o Medo” fecha com brilho as homenagens a Mautner que Cecília iniciou há quase um ano com o álbum “Eterno Meio Dia”, que reunia suas composições com o veterano – um grande feito como álbum de estreia, aliás.

Mas desta vez foi diferente. Cecília, que já soma trinta parcerias com Mautner, abriu mão de seu trabalho com o mestre e passeia pelas várias fases da carreira de seu guru. Diz que escolheu as musicas que compõem o novo disco pelo o fator surpresa das letras e melodias. “Queria aquela força poética estonteante, surpreendente, que é tão característica da obra do Jorge. Fui escolhendo, dentre as mais diversas fases, as canções que mais me causam fascínio-espanto. ‘Olhar Bestial’, ‘Menino Carnavalesco’ e ‘Chuva Princesa’, por exemplo, fazem parte do período expressionista Mautneriano, em que ele compunha com o bandolim, e que mostram a prevalência da emoção e do instinto sobre o óbvio racional”. Mautner gravou de casa sua participação na música “Salto no Escuro” composta nos anos 70. O álbum foi antecipado pelo single “Ressurreição”, de Mautner e Nelson Jacobina, que ganhou clipe:

Apesar da grande diferença de idade, os dois se identificaram na arte. “A música une aquilo que o tempo tão rigidamente separou”, diz a cantora, relembrando a tradução que Mautner fez de um trecho da 9ª sinfonia de Beethoven e que foi o título de um show que os dois fizeram juntos em 2019.

Cecilia Beraba e Jorge Mautner: entrosamento além das gerações - Foto: Divulgação
Cecília Beraba e Jorge Mautner: entrosamento além das gerações – Foto: Divulgação

Aliás, antes de um show que Mautner realizaria, Cecília procurou Mautner para pedir que fizesse uma participação numa canção autoral que ela pretendia gravar. O compositor pediu para conhecer o trabalho e dias depois a convidou a ir vê-lo. A partir da visita, Mautner nomeou a jovem artista como sua nova parceira e os encontros agora são regulares. “É uma artista que tem o dom de transmitir a eterna necessidade do amor em sua voz quando canta de maneira contagiante e fascinante. Ela é uma estrela faiscante. A beleza da maravilha que jamais se acaba, Cecília Beraba”, derrete-se Mautner.

A reclusão forçada pela pandemia foi produtiva para a parceria. Em agosto, os dois regravaram “Não, Não , Não”, um grito de protesto contra todas formas de injustiça, que ele compôs no começo da ditadura militar, e que infelizmente ainda soa extremamente atual.

Cecília conta que buscou também o amor romântico nas lentes inusitadas de Mautner que carregam suas ecléticas referências literárias e amalgama o Brasil dentro desta sua perspectiva peculiar. “Além da força literária, as músicas escolhidas refletem a potência e a variedade musical de Mautner. O disco traz rock, tango, ska, samba, balada e gafieira. Melodias muito fortes acompanham as palavras de igual intensidade”, acrescenta a cantora.

O disco foi todo gravado de forma remota durante a pandemia. Cecília, que assina a produção do disco, coordenou de casa as operações dos músicos de casa. “Fz uma direção artística em que montei as bases de casa no violão, gravei a voz-guia e fui, individualmente, com a minha noção de hierarquia instrumental de cada faixa, dirigindo cada músico individualmente”, explica a artista, ao comentar o processo de construção do trabalho. “Foi um trabalho de construção de câmadas que refletiu um trabalho colaborativo.

O disco foi todo gravado de forma remota durante a pandemia. Além do próprio Mautner, o Kid Abelha George Israel também participa com seu sax na faixa “Diamante Costurado no Umbigo”. A banda-base teve como integrantes os instrumentistas Aquiles Moraes (trompetes), Antônio Guerra (piano) e Glauber Seixas (violão e guitarra) além das guitarras de Regis Damasceno e bateria de Thomas Harres. A mixagem e masterização são de Léo Moreira.

A capa traz uma foto antiga de Mautner que é do acervo de Nelson Motta, guardado pelo Museu da Imagem e do Som (MIS). A autoria da fotografia é desconhecida. A foto sobreposta de Cecília foi tirada por Daniel Lobo. Já a arte é obra de Bruna Vieira e de João Tolentino.

Compositor, cantor, instrumentista, escritor e poeta, Jorge Mautner é, de fato, um artista múltiplo. Nascido em 17 de janeiro de 1941, no Rio, costuma se dizer um “filho do Holocausto”. “Nasci um mês depois que meus pais chegaram [ao Brasil]”, conta, referindo aos pais refugiados tchecos do horror da Segunda Guerra. Seu primeiro livro, “Deus da Chuva e da Morte” – o qual começou a escrever aos 15 anos – recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura, em 1962. Na música, possui uma dezena de álbuns, entre eles “Jorge Mautner” (1974), produzido por Gilberto Gil, e “Antimaldito” (1985), com produção de Caetano Veloso. O mais recente é “Não Há Abismo em que o Brasil Caiba” (2019).

 

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