Com a palavra, Fito Páez

Maior expoente da música pop argentina, o cantor, compositor e instrumentista Fito Páez está de volta ao Brasil. Em 37 anos de carreira, iniciada na banda de Charly Garcia, lançou 30 álbuns solos, 13 coletâneas, roteirizou e dirigiu três filmes e ainda publicou três livros. Apesar da vasta obra, que lhe rendeu três Grammys Latinos, entre 2007 e 2009, é mais conhecido por aqui pela versão que o Paralamas do Sucesso fez, em 1991, para a canção “Trac trac” (1987) em que canta em duo com Herbert Viana. “A música popular brasileira faz mesmo parte do meu DNA musical”, reconhece para citar, em seguida, uma penca de artistas que fazem sua cabeça. Mas lamenta não existir uma via de mão dupla do Brasil em relação à cultura da América Latina. “Acho que é nosso dever, como latinos, é
fazer com que o Brasil deixe de ser uma ilha dentro do nosso continente”, completa. Em entrevista por e-mail
ao JORNAL DO BRASIL, o artista, hoje com 55 anos, revela suas inquietudes e a necessidade de romper barreiras estéticas, filosóficas e políticas. “Acredito que os anos e a minha experiência de mundo fizeram com que todos os postulados estejam em dúvida, até mesmo os revolucionários. É preciso ser muito específico quando se usa esta palavra”, comenta. A turnê de lançamento de seu novo álbum, “Ciudad liberada”, começou ontem em Porto Alegre e terá show em São Paulo (hoje) e no quarta no Rio, no Teatro Bradesco.

Fito, você chega ao Brasil para se apresentar em mais uma turnê. O rock argentino só é conhecido de uma pequena parcela do público brasileiro, muito em função de sua associação com os Paralamas do Sucesso que, aliás, faz grande sucesso na Argentina. Como você vê isso?
FITO PÁEZ – Acho que é devido a uma questão cultural profunda que é evitada pelo encontro inexorável entre
artistas e pessoas. O tema da linguagem é central para pensar essa distância, que nem deveria ser tão grande no
campo da música e das artes em geral. São as linguagens que mais combinam, se unem e nos permitem o melhor
contato. Acho que é nosso dever como latino-americanos fazer com que o Brasil deixe de ser uma ilha dentro
do nosso continente.

Além dos Paralamas, você se relaciona com outros artistas e bandas brasileiros? O que você conhece da música brasileira e que faz a tua cabeça?
FITO PÁEZ – Meu pai ouvia muita música brasileira lá para o fim dos anos sessenta e setenta e desde então nunca parei de apreciar a beleza da MPB. Era inevitável! E passei a levar no meu sangue as obras de Antônio Carlos Jobim, João Gilberto, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Elis Regina, Gal Costa, Caetano Veloso, Tim Maia, Paralamas
do Sucesso, Titãs, Hermeto Pascoal, Jorge Benjor, Djavan, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Cazuza, Paulinho da
Viola, Rita Lee, Tom Zé, Roberto Carlos, Vanessa da Mata, Gilberto Gil… em suma, a lista é praticamente quase interminável. A música popular brasileira faz mesmo parte do meu DNA musical. Com muitos desses que
citei, participei de inúmeras gravações e shows nesses 30 anos de carreira (entre os quais Caetano com quem gravou versão de um de seus maiores sucessos, “Mariposa Teknicolor”, que você ouve abaixo).

Ao longo de sua carreira, você trabalhou com diversas formas de expressão, que não apenas a musical. Nos fale um pouco dessas incursões no cinema, na literatura…
FITO PÁEZ – Eu escrevi e dirigi um média metragem chamado “The ballad of donna Helena” e dois longas, “Private lives” e “Who is the garter?” Foram experiências extraordinárias porque tive que começar a lidar com uma nova problemática. E a minha própria experiência com a música foi muito enriquecedora nesse sentido porque me ajudou a me orientar nos momentos de desordem e desconhecimento do terreno onde estava pisando. As analogias
são óbvias. Atrizes e atores funcionam como músicos, a direção de fotografia se compara ao trabalho dos técnicos
de gravação, a composição é como a elaboração dos roteiros. Já na edição temos exatamente o mesmo tipo
de processo. Também publiquei dois romances, “La puta diabla” e “Los días de Kirchner”, e “Diarios de viaje”, o
registro de um ano de turnê pelas Américas. Embora você carregue o rótulo de roqueiro, percebemos que você é uma alma inquieta musicalmente falando. E sua relação com o rock é de indas e vindas: ora você está mergulhado
nele ora parte para outros estilos.

Te incomoda ser limitado a um rótulo?
FITO PÁEZ – Antes de mais nada, música são notas em um pentagrama. Partindo desta premissa, me parece forçado ter que falar sobre gêneros e estilos. Na música tudo vale a pena. Isso fica muito nítido quando você fala sobre seu novo álbum, seu desejo deliberado de desapegar-se de rótulos e identidades. De alguma forma, quando se está num crescendo, é o que deixa transparecer. Vê-se que minha natureza tende para lá, indo além de certos limites. E nem avanço mais porque vivemos sob o conceito da moralidade ocidental e a problemas filiais que considero imutáveis.

“Ciudad Liberada” seria uma proposta de revolução, a sua utopia?
FITO PÁEZ – Eu acredito que os anos e a minha experiência de mundo fizeram com que todos os postulados estejam em dúvida, até mesmo os revolucionários. É preciso ser muito específico quando se usa esta palavra. Sobre o que estamos falando quando a nomeamos e com quem e com quem estamos falando sobre isso? Não nos esqueçamos de que, por trás dos postulados revolucionários de qualquer origem – esquerda, direita e etc – se esconde a psiquê de certas pessoas cujos movimentos desconhecemos e que podem nos levar a tomar decisões extremamente equivocadas. Confesso estar cada vez mais cauteloso quando alguém me diz qual é o caminho certo a seguir. E quando isso acontece, eu costumo pegar o caminho oposto, hahaha!!!!!

O que mais o incomoda no mundo em que vivemos?
FITO PÁEZ – Claramente, a antiutopia humana. A criação de mundos imaginários não nos permite ser o portador de verdades permanentes. O mundo real é ativo na vida política. É nesse estágio em que os fios da vida são tecidos. Me
considero um homem de sorte, obscenamente livre. Essa possibilidade me foi dada e tento ser coerente com essa
grande responsabilidade, de forjar um papel crítico em relação a um sistema rígido. Me sinto estimulado a criar
sob essa responsabilidade.

Embora você esteja em turnê de lançamento de um trabalho, a gente sabe como funciona, de certa forma, a mente de um artista, de um criador. Que projetos futuros você tem em mente neste momento?
Estou trabalhando em dois roteiros para poder filmar – quando minha atividade musical me permitir fazê-lo
–, compondo material inédito para um novo álbum e envolvido com uma turnê sem fim. E, no meio de tudo
isso, você tem que continuar criando filhos. Não poderia ser melhor.

Fito, a crítica argentina recebeu muito bem “Ciudad Liberada”. Chegaram a dizer ser este o teu melhor trabalho nos últimos 20 anos. Você recebe este tipo de comentário como um elogio a um trabalho que, de fato, é muito bom ou como uma crítica indireta da imprensa ao que você vinha produzindo neste período?
São palavras, nada mais do que palavras. Acredito que deve haver muito poucas pessoas capazes de para avaliar um trabalho desenvolvido ao longo das últimas décadas. Eu fumo e peço a próxima dose.

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