Do Genesis às Revelações – o fim de uma lenda do rock

Por Paulo Roberto Andel

Faz muito tempo, mas parece que foi outro dia: eu estava na casa de meu amigo Fred quando ele ligou a vitrola e puxou “A Trick of the Tail” para tocar. Eu tinha dez anos de idade e ele, onze. Foi o primeiro disco de rock que ouvi na vida e certamente ditou muito do que segui na música. O Fred sempre foi precoce, fato que explica duas crianças ouvindo rock progressivo por conta própria. Estávamos em 1978. Eu tive medo da capa, com gnomos e duendes, mas gostei do som triste daquela banda de nome Genesis.

Quarenta e quatro anos depois daquela tarde, o Genesis acabou de vez. Na verdade, a banda já tinha encerrado suas atividades nos anos 1990, quando lançou seu último álbum de material inédito, já sem Phil Collins, substituído brevemente por Ray Wilson. A história, entretanto, vinha de muito mais tempo, desde fins dos anos 1960.

O Genesis em sua primeira formação – Foto: Reprodução
Peter Gabriel em sua passagem pelo Genesis
Peter Gabriel

O Genesis foi um dos pilares do rock progressivo para sempre. A banda que teve Peter Gabriel e Phil Collins como vocalistas, que teve um monstro como Steve Hackett na guitarra. Gabriel saiu para fazer enorme sucesso com uma carreira sonora totalmente diferente do Genesis, depois saiu Hackett e ficaram Phil com os decanos Mike Rutherford e Tony Banks. O som progressivo foi trocado pelo pop sofisticadíssimo com tempero soul, uma paixão de Collins, trazendo à tona álbuns muito bons e levando a banda às grandes arenas, caso do imenso sucesso mundial de “Invisible Touch”.

O Genesis em sua formação mais conhecida, com Rutherford (fundo), Banks (centro) e Collins – Foto: Divulgação

Depois do fim dos anos 1990, o Genesis só voltou para turnês de reunião, sem novidades artísticas que, no fim das contas sequer eram necessárias. Era preciso registrar em DVD, reencontrar os velhos fãs, levar a música para os novos e assim foi feito no registro de “Live Over Europe”, 2007. O tempo passou, a consagrada banda ganhou seu documentário definitivo (“Sum of The Parts”) e, de certa forma, os fãs esperavam o adeus definitivo, que veio com a turnê relativa ao álbum “The Last Domino?”, interrompida pela pandemia e retomada para o fim em 24 de março na O2 Arena, em Londres. Veja aqui um registro amador do show na íntegra:

Há anos, Phil Collins sofre com problemas de saúde que o impediram de tocar bateria e até mesmo ficar em pé por muito tempo. Logo ele, um dos maiores bateristas da história do rock. Os shows finais do Genesis tiveram Phil com muitas dores no palco, mas o simplismo habitual logo tratou de classificar a turnê como um caça-níqueis decadente. Poucos levaram em conta o direito de uma banda viver o sonho da estrada pela última vez, iniciada quanto todos eram adolescentes e agora são septuagenários. O que será que viveram nesse tempo final, recordando de todo o grande trabalho que realizaram? Como deve ter sido? Quem tem o direito de definir quando uma banda deve parar ou não? Ela própria e mais ninguém, submetendo-se à aprovação ou rejeição do público.

Phil Collins durante o show de despedida do Genesis – Foto: Anderson Carvalho

O que alguns viram como decadente neste momento de despedida poderia ser visto como superação. Pouco importa que Collins teve grandes prejuízos por conta de suas separações. Conseguem imaginar como ele se sentiu vendo seu filho Nic tocar (muito bem) as linhas de bateria que ele, Phil, criou?

No documentário oficial, Peter Gabriel – um dos maiores artistas do século XX em qualquer área – afirmou com total modéstia que o Genesis foi muito maior sem ele, que participou apenas da primeira parte da história da banda. Isso dá o tamanho do Genesis: quantas bandas sobreviveriam sem um frontman do tamanho de Gabriel?

Agora que tudo é definitivamente passado, vale a pena que jornalistas e pesquisadores tragam de volta à superfície todo o trabalho feito pelo Genesis, uma das maiores e mais bem sucedidas bandas da história do rock, tão grande que, até aqui, não se falou de seus coadjuvantes espetaculares como os bateristas Bill Bruford e Chester Thompson (que defendeu as baquetas genesianas por décadas), mais o guitarrista Daryl Stuermer.

Álbuns como “Foxtrot”, “Selling England by the Pound” e “The Lamb Lies Down on Broadway” há muitos são clássicos perenes do rock, todos gravados há quase cinco décadas. Depois disso, restou ao Genesis se reinventar e conquistar o mundo com muitos hits. Um legado inquestionável que não pode ser resumido pelos shows finais, feitos com muita garra por motivos evidentes.

Peter Gabriel assistiu a última exibição da plateia. Mais do que um craque daquele time, Peter sempre se mostrou um fã de seus amigos e ex-companheiros de banda. Poucos tiveram tamanho privilégio.

Fred, onde quer que esteja, muito obrigado por aquela tarde da nossa infância. Ela permanece até hoje. Deixo aqui dois registros audiovisuais da apresentações ao vivo do Genesis em seus primórdios, como o talentoso e performático Peter Gabriel (um concerto da turnê “Selling England by the Pound”, de 1973); e da fase liderada pelo hitmaker e carismático Phil Collins (Live at Wembley, de 1987, com gente saindo pelo ladrão no mítico estádio de futebol). Fases tão diferentes, mas igualmente brilhantes.

Obrigado, Genesis.

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