Jorge Du Peixe e as granfinezas do baião

Jorge Du Peixe
Capa do álbum 'Baião Granfino', de Jorge Du Peixe
Capa do álbum ‘Baião Granfino’, de Jorge Du Peixe

Luiz Gonzaga está para o baião assim como o rechonchudo Bill Halley está para a popularização do rock and roll. Quando iniciou sua carreira profissional no Rio, tocando em prostíbulos e festas até chegar nas rádios, este pernambucano de Exu popularizou o baião e o xote a tal ponto de se tornar e maior de todos os artistas nordestinos. Gonzagão é o ídolo de qualquer artista nascido na região, uma instituição atemporal e onipresente. E nessa atmosfera que foi criado Jorge Du Peixe, vocalista do Nação Zumbi e de projetos como Los Sebosos Postizos e o Afrobombas.

No ano passado, o recifense gravou o álbum “Baião Granfino”, totalmente dedicado ao repertório do grande mestre. Nesta sexta-feira (17), Du Peixe faz o show de lançamento do disco no Circo Voador, com participação especial de Cátia de França, a arretada cantautora paraibana. Siba (ex-Mestre Ambrósio) abre a noite.

“Faz parte da minha memória afetiva. Quem é do Nordeste cresce ouvindo as melodias de Luiz Gonzaga. Além de atemporal, sua obra é a cara do Brasil”, garante Du Peixe, avisando que o setlist terá outras surpresas já que o repertório do álbum não é suficiente para preencher o setlist de um show ao vivo;

A ideia surgiu em 2017, durante as gravações do programa Clubversão, onde artistas de diferentes gerações criam novas versões de clássicos da música popular. Na ocasião, Du Peixe gravou com o saudoso Wilson das Neves “Manhã de Carnaval” (Luiz Bonfá/Antônio Maria), um encontro histórico meses antes da morte do sambista. Fábio Pinczowski, produtor do programa, logo se interessou em produzir um disco de Du Peixe, que sugeriu um álbum dedicado ao cancioneiro de Gonzagão.

A escolha do repertório, temas e horizontes sonoros foi tomando forma em 2020, no início da pandemia. A ideia, conta Du Peixe, era buscar diferentes sonoridades, evitar obviedades do estilo. “A célula harmônica do baião estaria presente, mas passeando por outras paisagens”, diz Du Peixe, que revela não gostar de projetos “com unidade”. “Há tanto a se explorar na música por que vou me prender a uma ideia de unidade?”, provoca. Ouça o álbum completo aqui:

“Baião Granfino” foi gravado no início de 2021. Participam dele os músicos Carlos Malta, Swami Jr., Siba, Pupillo, Mestrinho, Lello Bezerro, Bruno Buarque, Serginho Plim, Yaniel Matos, Gustavo Ruiz, Victor Rice, Bubu, Maria Beraldo, Lívia Nestrowski, Fábio Sá, Fábio Pinczowski, Sthe Araújo, Naloana Lima e Victória dos Santos, além da participação especial de Cátia de França. Time de peso.

Jorge Du Peixe
Jorge Du Peixe conta que cresceu num ambiente dominado pelas canções de Gonzagão – Fotos: José de Holanda

As audições de Du Peixe e de Pinczowski resultaram na escolha de algumas canções conhecidas de Gonzagão e outras nem tanto. “‘Rei Bantu’ era uma música dele que eu simplesmente não conhecia. É sobre ele falando de sua ancestralidade negra, os deuses que evocam o maracatu. É muito potente e simbólica”, comenta Du Peixe.

“Assum Preto”, que abre o disco, carrega ares soturnos, com as sutilezas de blues sertânico ou, por que não dizer, uma toada de viola em modo pesado mas que fecha lindamente com um solo de Mestrinho

“Saanfona Sentida” ressurge numa releitura sensível com destaque para outra bela linha de sanfona, numa das poucas aparições do instrumento que consagrou Luiz Gonzaga. Momento de puro lirismo.

O repertório trafega entre o clássico e faixas menos conhecidas de Gonzagão, como “Acácia Amarela”, que descamba para um andamento abolerado. “Orélia” ressurge como um ska que nos faz lembrar o comentário de Dominguinhos a Gilberto Gil quando este lhe apresentou o reggae: “Isso é que reggae? Parece um baião metido à besta”, reagiu.

“Qui nem Jiló” e a divertida “Pagode Russo”, já gravada por Lenine e Zeca Baleiro, são exemplos da verve romântica do Rei do Baião e ganham versões caprochosas de Du Peixe.

Será que o baião ficou metido à besta. Essa é a indagação da faixa-título. “Ai, ai, Baião, você venceu! / Mas no sertão, ninguém lhe esqueceu”, diz a letra da música de Gonzaga e Zé Dantas ao lembrar do sucesso nacional a partir dos anos 1940.

E a tampa do disco fecha em clima legítima de forró de pé-de-serra com a ultradançante “O Fole Roncou” para a qual Jorge Du Peixe convidou Cátia de França e engatou a marcha de arranque numa xote mais-que-ligeiro.

“Baião Granfino” tem o mérito de pegar aquilo que já era eterno e repaginá-lo com ares de contemporaneidade e modernidade.

Deixe uma resposta