Laíla, um samba de oito décadas

Por Fred Soares
Espacial para Na Caixa de CD

Luís Fernando do Carmo, o maior sambista que já passou por essa terra de São Sebastião do Rio de Janeiro, partiu para Aruanda neste 18 de junho de 2021, aos 78 anos. Filho de Xangô, decerto não foi derrotado por esta doença que nos faz perder tanta gente boa. Essa versão fica para as notas jornalísticas. Encantado como ele só, Laíla certamente foi convocado às pressas para ajudar seu orixá neste processo de pôr as coisas no seu devido lugar. A nós, restam o legado e as histórias que trazem um Rio de Janeiro, lindo, que ainda teremos de volta.

Laíla é cria do Morro do Salgueiro. Moleque pé-no-chão, cuja paixão pelo samba foi imediata. Assistiu ainda ao longe à criação daquela que viria a ser sua paixão, os Acadêmicos do Salgueiro. Ali, fez de tudo. Foi integrante de ala, passista, cantor, compositor, puxador de corda (o sujeiro que segurava a corda que separava o público da avenida do desfile, nos anos 50). No fim dos anos 60, já considerado na favela, foi alçado à diretor de harmonia depois de perder oito concursos de samba-enredo na escola. Viram que aquele baixinho brabo, organizado e reclamão era o homem certo para defender os interesses da vermelho-e-branco da Tijuca.

Em 1968, ele passou a ser o homem que organizava o desfile da escola. Se Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues eram os carnavalescos responsáveis pela revolução estética salgueirense, Laíla era quem garantia o samba no pé e no gogó. Com ele, foram conquistados os campeonatos de 1969, 1971, 1974 e 1975. O primeiro desta sequência, “Bahia de Todos os Deuses”, entrou para os clássicos do carnaval. Um desfile sob sol de meio-dia que chamou a atenção pelo alegria contagiante dos componentes sob um calor escaldante de 42 graus em plena Avenida Presidente Vargas. vamos relembrar este samba antológico:

Um detalhe: eram outros tempos. Menos profissionais e mais apaixonados. Sambista de verdade tinha de jogar nas onze. Por isso, a história fonográfica das escolas de samba registra neste bicampeonato dos anos 70 a voz de Laíla no LP das escolas de samba, com as gravações de “Rei de França na Ilha da Assombração” (1974) e “As Minas do Rei Salomão” (1975).

Laíla e Joãosinho Trinta: dupla promoveu uma revolução estética no carnaval pela Beija-Flor
Laíla e Joãosinho Trinta: dupla promoveu uma revolução estética no carnaval pela Beija-Flor

O sucesso na Tijuca fez com que Laíla, já com o profissionalismo se adonando do samba, se mudasse para Nilópolis a fim de iniciar uma nova revolução. Na Beija-Flor, a partir de 1976, formou uma parceria com Joãosinho Trinta que mudou os rumos do carnaval carioca. De cara, um tricampeonato em 76-77-78. Mais um título em 1980 e 1983. No entanto, mais do que as taças, foi escrito um novo conceito: o da devoção de um povo pela sua escola de samba – foi esta a filosofia que o velho Laíla impôs à Beija-Flor, transformando seus componentes em verdadeiros guerreiros dispostos a dar a vida em cada carnaval.

Depois do campeonato de 1983, uma incrível coleção de vice-campeonatos pela escola de Nilópolis. No meio disso, algumas escapadelas, como quando passou pela Vila Isabel além de um breve retorno ao Salgueiro (em 81, defendeu ainda a Unidos da Tijuca).

Em 1989, o seu grande momento – ao lado de Joãosinho Trinta: “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia”. Para muitos, o mais perfeito e impactante que uma escola de samba fez. Tantos anos depois, aquele espetáculo ainda gera discussão a respeito do seu momento mais mais marcante: o abre-alas com um Cristo Mendingo, coberto, e com os dizeres “Mesmo proibido, olhai nós”. João e Laíla disputaram por anos a autoria da ideia. Mas a poesia do samba coroa esses dois ícones por passagem tão fundamental para a história do carnaval.

Laíla na comemoração do título do Grupo de Acesso de 1990, que levou a Grande Rio ao Grupo Especial
Laíla na comemoração do título do Grupo de Acesso de 1990, que levou a Grande Rio ao Grupo Especial

No início dos anos 90, Laíla tentou a sorte nos Acadêmicos do Grande Rio. Mas logo voltou à Beija-Flor, para liderar uma reinvenção da escola, já sem João Trinta. A partir de 1998, criou a tão bem sucedida comissão de carnaval, que tirava do carnavalesco o protagonismo sobre o desfile. Laíla empilhou taças: foram 9 títulos entre 1998 e 2018, além de seis vice-campeonatos. Foi a fase do “rolo compressor nilopolitano”.

O casamento com a Beija-Flor durou até 2018. Depois disso, passagens pela Unidos da Tijuca (2019) e pela União da Ilha (2020), na qual amargou o seu pior resultado – o último lugar. De positivo, pisar na avenida em 2020 serviu para que Laíla talvez se transformasse no único sambista a ter desfilado no carnaval carioca em oito décadas diferentes. Isso mesmo: ele teve participação ativa nas folias momescas nos anos 50, 60, 70, 80, 90, 2000 e 2010 e 2020. OITO DÉCADAS.

É muita coisa, muita história pra contar de um homem que deixa um imenso legado de conhecimento e sabedoria para qualquer um que um dia pretenda colocar uma escola de samba na Sapucaí. Muitas dessas histórias ele contou a mim, ao jornalista Anderson Baltar e ao historiador Luiz Antônio Simas ao canal de Youtube da Rádio Arquibancada. Com toda licença do Velho Gegê, um depoimento que deixou a vida para entrar na História.

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