Por Luis Fernando Rios

Quando um artista do tamanho de Paul McCartney anuncia que vai lançar um novo trabalho, com musicas inéditas, é como se entrássemos numa enorme lacuna do tempo. A sensação que tive foi que por 5 segundos o mundo travou e como num filme de ficção científica, tudo estava paralisado por uma força mágica e incontrolável. Daí, você percebe que foi imaginação da sua cabeça e a notícia vai sendo digerida com imenso prazer, ao passo que a expectativa vai aumentando até que seja realmente lançada a obra. E toda a ansiedade causada pela notícia do álbum simplesmente desapareceu no momento em que comecei a ouvir as novas músicas de “McCartney III” e tentei perceber o que elas tinham a me dizer.
Em questão de minutos comecei a lembrar de trabalhos anteriores dele comparando aquilo que ouvia com as músicas antigas e assim, foi se montando na minha mente uma atmosfera receptiva que me deixou à vontade pra captar a música da forma mais integral possível.
Em questão aqui está “McCartney III”. Álbum de inéditas lançado por Sir James Paul McCartney no último dia 18 de dezembro. Segundo o mestre, ele é o fechamento da trilogia que se iniciou com McCartney (1970) e McCartney II (1980). Álbuns que foram gravados praticamente sozinhos por ele e com a utilização de recursos que na época estavam sendo experimentados por Paul em sua eterna busca pelas novidades e o perfeccionismo. Este terceiro da trilogia é nitidamente um trabalho bem experimental e visceral, que exprime fielmente o que estava preso no âmago de Paul em meio ao confinamento e que foi sendo literalmente purgado na forma de música.
Voltando um pouco lá atrás, lembro-me que o tempo “parou” também, quando Paul fez uma “tour” pelo Brasil para divulgar seu recém lançado e meu predileto “Flowers in the Dirt”, de 1989. Os dois shows no estádio do Maracanã foram antológicos. Outros álbuns que quase também fizeram o tempo estacar foram os maravilhosos trabalhos “Flaming Pie” (1997), “Driving Rain” (2001), “Chaos and Creation in the Backyard” (2005) e finalmente em 2018, “Egypt Station”. Este último, outra obra prima como “Flowers in the Dirt”. Poderíamos ainda falar dos Wings e de seus álbuns magistrais como “Back to the Egg” e sua espetacular Rochestra ou de “Wings At The Speed Of Sound” e “Band on the Run”, mas isso é conversa para outra resenha.

Voltando a “McCartney III” e claro, depois de já ouvir e reouvir o disco muitas vezes, agora eu paro o mundo por um instante novamente para me fazer algumas perguntas sobre o que esse artista nos proporcionou ao longo de sua vasta e profícua carreira. Obviamente que você terá as suas, mas o que importa é que ouvindo os álbuns anteriores, e finalmente este último, quero entender o que a arte de Paul significa para todos nós.
As respostas acho que vem naturalmente embaladas pelo que se sente através das melodias das canções deste e dos álbuns anteriores do eterno Beatle.
As 11 faixas que perduram 48 minutos, a cada nova audição, foram ganhando corpo na minha percepção e com isso, posso dizer sem sombra de dúvida que este “McCartney III” é um dos melhores trabalhos que Paul realizou na sua extensa vida musical que vem desde o final da década de 1950!
Quando acabamos de ler um livro instigante ou ouvir um disco que contenha letras e melodias profundas, devemos usar a experiência para sermos melhores. Mais ricos no sentido de ganho de cultura e de entendimento sobre o que nos cerca. Esse exercício que mais uma vez repeti com “McCartney III” me fez uma pessoas mais alegre e rica certamente. Este senhor de 78 anos, “preso” em sua casa (que obviamente tem um estúdio fabuloso) por conta das contingências atuais, nos deu esse presente. Sua arte, sua riqueza poética e musical, seu experimentalismo, sua voz, sua elegância sonora me deu muito nesses últimos dias em que me dediquei a audição desta linda obra.
Analisando de modo geral o álbum, posso dizer que é uma linda, crua, elegante, melódica, descontraída, simples, empolgante, profunda e intensa epopéia musical que foi criada por um gênio, que consegue na grande maioria das vezes, ser direto e sensível, sem que isso pareça repetitivo ou simplório. Foi na simplicidade que ele fez as melhores músicas de sua vasta obra.

Paul McCartney, na sua solidão e impaciência soube canalizar para sua arte tudo aquilo que estava sentindo e pensando para compor, tocar e produzir um álbum de rock como em 1970 fez em “McCartney”, na dor do término dos Beatles, e em 1980 com “McCartney II” e sua peculiar maneira de se expressar e testar novidades. Nesta época, início da década de 1980, eram os sintetizadores e sequenciadores.
Ele, em seus álbuns solo, sempre tocou todos os instrumentos praticamente, compôs todas as músicas e fez parte da produção, mas agora ele simplesmente não teve ajuda de ninguém. Trabalhou totalmente sozinho!
Ouvindo e conhecendo a história das composições, fica muito latente que é o solo dos solos de Paul. Sabendo dos detalhes a respeito do desenvolvimento do álbum no estúdio, o deleite da audição fica melhor ainda (vídeos do artista comentando cada uma das faixas podem ser vistos durante a execução delas em plataformas como o Spotify (o que enriquece a experiência).
O disco é bem mesclado. Há momentos que trazem uma melancolia beirando a tristeza e que toca o ouvinte de forma profunda e direta. Mas há ótimos momentos alegres também. As melodias, a sonoridade moderna e “vintage” ao mesmo tempo, os “overdubs” dos instrumentos, os backing vocals dele mesmo, trazem algo de enigmático que só este brilhante senhor poderia nos proporcionar. As harmonias são belas e conseguem captar de maneira completa a intensão do mestre em transmitir a simplicidade através de suas músicas.
O disco começou a tomar corpo acidentalmente e músicas foram surgindo da criatividade e ânsia em produzir de Paul (há algum material de sobras do passado também e que foram recuperadas e aproveitadas), que inicialmente estava compondo para um pequeno filme. “Long Tailed Winter Bird” foi o início de tudo. Com o passar dos dias e os momentos de Paul no estúdio, outras composições vieram a luz para acompanhar esta primeira e formar o que se tornou “McCartney III”.
Temos efeitos de teclados, sua voz indefectível e um baixo como sempre marcante e bem tocado. As guitarras são de uma classe incrível e os efeitos criados para trazer uma sensação orquestral somente com o básico dos instrumentos, são fantásticos. Paul toca bateria e cria batidas com pequenos atrasos. Isso enche a música. Ele usa o cravo (Harpichord), contrabaixo acústico, dentre outras artimanhas de estúdio. Até uma Telecaster 1964 é usada numa das faixas pra criar um clima mais “bluesy”. Outros instrumentos são o sintetizador (synth brass), o Moog, o Fender Rhodes e como não podia faltar, seu baixo Hoffner.
É uma verdadeira aula de experimentalismo e genialidade pra compor música de forma simples e com um frescor jovial.

Recomendo a você que ouça de “cabo a rabo” o disco com muita atenção em cada pequeno detalhe (são neles que se percebe a grandiosidade do conjunto) e é provável que você descubra e perceba outras nuances da magistral obra que estamos recebendo deste músico único. Vai ficar fácil entender de pronto como um artista do tamanho de Paul McCartney pode fazer com que nós, simples terráqueos, diferentemente dele, fiquemos derretidos e estarrecidos de prazer ao ouvir algo como “McCartney III”.
Encontramos músicas mais longas, experimentais, acústicas, outras mais elétricas, baladas, rock, pop e o principal, a maneira exclusiva e habilidosa de compor e tocar de Sir Paul McCartney. Canções como “Find my Way”, “Lavatory Lil”, “Deep Deep Feeling”, “The Kiss of Venus”, “Seize the Day” vão simplesmente te fazer ter arrepios de prazer musical e te trarão um encantamento instantâneo, te cativando e fazendo você repetir as faixas várias vezes. As outras canções acompanham brilhantemente e formam um disco coeso e cheio de momentos harmônicos com pitadas geniais de uma melodia que transcende a obra de Paul. Daqui a alguns anos, este “McCartney III” será considerado um tratado da música contemporânea. Quem viver, verá. Chegou a hora de conferir o álbum, não é?
Não podemos deixar de lembrar ainda que este jovem senhor vem, desde “Yesterday”, ” Let it Be”, “Hey Jude”, “Penny Lane”, “Golden Slumbers” e muitas outras preciosidades, nos agraciando com músicas lindas, emocionantes, vibrantes, com letras bem humoradas e agora, em meio a um turbilhão de emoções e incertezas, ele vem novamente como ele mesmo disse, “acidentalmente” nos presentear com esta belíssima obra. Posso te garantir que ela contém tudo aquilo que nós estamos acostumados a receber dele ao longo de sua inigualável carreira.
A vontade é que possamos ainda vê-lo tocar ao vivo essas músicas e a continuar por mais um longo tempo lançando discos, fazendo shows e recebendo de nós súditos, carinho e a admiração que ele merece.
Nota: 10 /10