O doce (e saudoso) prazer da música na rua

música na rua

Por Paulo Roberto Andel

Com a pandemia, tudo é diferente e pior. No entanto, bem antes do mal do século, a gente já não vinha bem das pernas no Brasil, no Rio e na outrora Guanabara. Uma coisa que faz falta há tempos, muitos, salvo honrosas exceções, é a política cultural massiva de shows ao ar livre. Por anos e anos, o carioca teve oportunidade de acompanhar grandes apresentações musicais de alto nível, com entrada franca.

O saudoso Paulo Moura em apresentação no Parque da Catacumba - Foto: Reprodução - música na rua
O saudoso Paulo Moura em apresentação no Parque da Catacumba – Foto: Reprodução

Recordar é viver: nos anos 1980, os shows no Parque da Catacumba, aos pés da Lagoa Rodrigo de Freitas, ofereceram o melhor da música instrumental brasileira – todo o seu Estado-Maior se apresentou por lá. Craques como Paulo Moura, Nivaldo Ornelas, Luizão Maia, Márcio Montarroyos e outros faziam a alegria dos fãs de música. Enquanto isso, a Praia de Copacabana já recebia suas primeiras apresentações, de Jorge Benjor, Gilberto Gil e Leny Andrade – sim, ela mesma!

Bem no comecinho de 1990, a festa era frequente no Parque Garota do Arpoador, cravejado entre Copacabana e Ipanema. Artistas em início de carreira e decanos da arte se apresentaram com desenvoltura no palco cercado de verde e mar à frente. Mais uma vez a música instrumental teve seu brinde numa performance espetacular de Armandinho com Raphael Rabello, dois dois maiores instrumentistas da história do Brasil – Armandinho aí está com tudo até hoje, enquanto Raphael infelizmente se foi cedo demais. E foi no parque que a jovem Adriana Calcanhotto, platinadíssima, deu seus primeiros passos cariocas rumo ao estrelato. Um show lotado e antológico de Francis Hime, inesquecível. E Tim Maia, que fica para o final.

Mússica na rua - Tom Jobim
Foto promocional do antológico show que Tom Jobim, nosso maestro soberano, faria no Arpoador em 1991 – Foto: Reprodução

Em 1991, Tom Jobim tocou para uma multidão no Arpoador, que se espalhou por Ipanema inteira. O maestro maior finalmente era aplaudido em seu aquário natal. E durante a execução de “Samba do Avião”, uma aeronave passou por cima do palco piscando suas luzes, levando o público ao delírio e certamente emocionando Tom.

No ano de 1992, Caetano Veloso tocou para muita gente na Enseada de Botafogo, com a participação especial de Djavan. Em 1993, debaixo de uma chuvarada, mais de 40 mil pessoas viram o maestro George Martin em plena Quinta da Boa Vista. E neste mesmo ano, pouca gente se lembra de que um dos maiores cantores do mundo tocou de graça para um público ínfimo também na Enseada de Botafogo num sábado à noite: Mr. Tony Bennett. Ah, e Paulinho da Viola fez um showzaço nos Arcos da Lapa já na segunda metade dos anos 1990 – bem antes, Barão Vermelho, Jello Biafra e Mano Negra fizeram os Arcos tremerem! Ainda na praia, Ipanema recebeu dois nomes internacionais importantes: Alan Parsons Project e Madredeus. Fiquem aqui com trechos da apresentação de George Martin na Quinta da Boa Vista, com o aclamado produtor do Beatles regendo as Meninas Cantoras e e o Coral de Petrópolis. A chuva impediu a participação da Orquestra Sinfônica Brasileira que ensaiara exaustivamente para a ocasião, coisas que só acontecem diante do imponderável que é executar música na rua. Ainda assim, houve uma banda solista com gente do naipe de Robertinho de Recife (guitarra), Fernando Moura (teclados), Ricardo Magno (vocais), Carlos Bala (bateria), Jamil Joanes (baixo) e Giles Martin, filho de George, (guitarra ritmica), além dos percussionistas Don Chacal, Peninha, Cezinha e Cizinho. Um espetáculo inesquecível, do qual George Martin sairia positivamente impactado a ponto de registrá-lo em seu livro de memórias e classificar o evento como uma das noites mais emocionantes de sua vida.

Cássia Eller - música na rua
Cássia Eller era uma habitué no circuito de shows gratuitos nas universidades cariocas – Foto: Divulgação

Nesta mesma época, a UERJ, a UFRJ e a PUC regularmente recebiam muitos artistas para shows gratuitos, bancados pela iniciativa privada. De Leila Pinheiro a Ney Matogrosso, passando por Vinícius Cantuária, Lobão, Angela Ro-Ro e uma jovem cantora com voz de trovoada: Cássia Eller.

Isso sem contar os históricos shows do Réveillon na Praia de Copacabana, batendo seguidos recordes de público na orla da Princesinha do Mar, como o de Rod Stewart, em 1994 (foto em destaque).

Na virada do século, os shows foram diminuindo, mas ocupavam vários palcos públicos da cidade. Na Praça XV, teve de Marcos Valle a Jair Rodrigues, passando pelo monumental Boca Livre. O Largo do Machado sempre tinha música instrumental. No Parque das Ruínas, ia de Lia de Itamaracá aos maravilhosos Zé da Velha e Silvério Pontes. E até mesmo no caso de shows com ingressos pagos, os preços eram populares nos Teatros Carlos Gomes e João Caetano, na (extinta) Caixa Cultural e no Centro Cultural Banco do Brasil (felizmente de pé).

E Tim Maia, lembra? Para muitos, fez o melhor show de sua vida no Garota do Arpoador, no ano de 1990. Provavelmente tendo acabado de acordar, chegou uma hora antes do horário previsto, começou a cantar assim mesmo e, ao ouvir o vozeirão, a turba veio correndo para o parque. Tim cantou por três horas, repetiu “Vale Tudo” umas cinco vezes e levou a plateia ao delírio fazendo uma piada consigo mesmo (sobre suas faltas aos shows) e com Elton John, que acabara de cancelar uma turnê pelo Brasil: “Boa noite, que festa boa, fiquem com Deus e lembrem-se: Elton John não veio, mas Tim Maia veio”. O Arpoador explodiu numa gargalhada.

 

Quando o caos passar, precisamos de mais shows ao ar livre.

6 thoughts on “O doce (e saudoso) prazer da música na rua

  1. Quantos shows da Blitz no Arpoador? E Jorge Ben Jor( não sei se agora voltou a ser Jorge Ben) na praia de Ipanema? Black Eyes Peas? E Nando Reis em 2019 tocando Rock And Roll no arpoador, deixando o #EleNao e #ForaBolsonaro tomar conta do som?

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