Rodrigo Suricato em versão homem-banda

Rodrigo Suricato

Assumir os vocais principais do Barão Vermelho nesta fase pós-Frejat não fez o cantor e multi-instrumenta Rodrigo Suricato abrir mão de seus projetos solo, conforme ele havia me dito em entrevista em dezembro de 2018. Logo, seria natural vê-lo lançando álbuns e tocando pelo país afora. O que talvez não se esperasse é quando ele disse carreira solo que estivesse se referindo a compor, produzir, arranjar, tocar todos os instrumentos e interpretar um disco inteiro paticamente sozinho. Pois assim é Na Mão as Flores (Universal Music), seu terceiro trabalho, com lançamento nesta sexta-feira (26/7). O amigo Marco Vasconcellos também assina a produção, que levou cerca de dois anos  para ser concluída. “O Marco me ajudou a conduzir uma visão artística de modo a me manter fiel a mim mesmo”, comenta Suricato.

Para chegar a dez canções autorais – uma versão do artista para a icônica Como Nossos Pais, de Belchior completa o repertório – 20 ficaram pra trás. “Eu fiz toda a pré-produção na minha casa e fui para o estúdio finalizar. Gravei noventa porcento dos instrumentos. A exceção é uma faixa com orquestra. Nesta fase preliminar, fiz muitos experimentos com os instrumentos. Algumas canções chegaram a ter seis ou sete arranjos diferentes”, antecipa Suricato, que usou vários tipos de violão, tocou guitarra, percussão, gaita, MPC, bateria eletrônica nas gravações e fará a mesma coisa nos shows da turnê, tocando quatro instrumentos simultaneamente. “Não se trata de uma versão pocket do álbum. Estarei no palco por inteiro. por inteiro. A proposta do disco traz isso, o homem-banda.  Aqui no Brasil costuma-se imaginar que quando o artista fará o show sozinho será naquele esquema de voz e violão”, explica.

Em tempos de streaming e lançamentos de singles em profusão num oceano de diversidade digital, Suricato evoca um lado saudosista. “Ainda sou um cara de disco. Os álbuns refletem o momento que o artista está vivendo. E os arranjos foram direcionados para fazer sentido da obra como um todo, passando de fora vem clara uma mensagem, uma proposta. Fiz de uma maneira em que todas as músicas se falassem. A primeira fala com a décima, como sétima e assim por diante. Se não fosse assim, seria um disco com dez singles”, desabafa o artista que, em 2015, conquistou o Grammy Latino com seu álbum Sol-te.

‘Suricato pode ser qualquer coisa’

Logo depois de se destacar nacionalmente num reality show de novos talentos, Suricato apareceu com uma banda que levava seu nome. Depois, fez trabalhos sem banda. Certa confusão do público e a necessidade de explicar. “Suricato pode ser uma banda, pode ser um DJ. Pode ser qualquer coisa. Eu tenho liberdade de fazer o que quiser. Esse é um disco que decidi me dar de presente”, empolga-se o homem-banda, empenhado em mostrar uma sonoridade pop que passe conteúdo. “Quero fazer música popular mas sem abrir mão do texto, da qualidade instrumental que rege os meus trabalhos. Eu tenho muito respeito por quem me ouve”, insiste. “Comecei tocando em  bares e isso significa que o outro, o público, sempre faz parte dessa equação. Tem que existir troca”, completa.

“Esse disco nasceu autobiográfico, mas também é sobre todos nós” . Tem uma leveza que disfarça sua profundidade, para os mais desavisados, pode algumas vezes soar simples demais. Ele possui uma positividade que tem muito a ver com a minha maneira de enxergar as coisas. É sobre utopia. Falo de desejos da nossa natureza humana”, diz Suricato sobre o álbum, que tem pontos fortes também nas faixas Admirável Estranho, AstronautaSolidão e Horizonte.

Para manter-se em dia com as tendências do mercado digital,  Suricato revela que cada canção do álbum receberá um webclipe. São vídeos em que apareço tocando e cantando sem qualquer dramaturgia ali. Não vou aparecer salvando uma menina no penhasco ou algo do gênero”, diverte-se. Confira aqui Na Mão as Flores, a faixa-título cuja letra confessional diz que “O pior de mim está na mesma mão que trago flores pra você”.

Influência do folk e do blues

Curioso ouvir uma canção com esta, datada de dois anos pelo menos, e perceber uma sinergia com o som do Barão Vermelho, banda à qual Suricato juntou-se há apenas um ano. “Engraçado você dizer isso. Para mim, o álbum ainda está como uma árvore na qual só enxergo a raiz. Mas, como nunca escondi, o Barão Vermelho sempre foi uma referência musical para mim e isso explica o que você está dizendo”, diz o artista, um fã declarado de folk e blues que cobra com o som de Ed Sheeran, John Mayer, James Blake e Justin Vernon, o líder da banda folk americana Bon Iver.

Falando em Barão Vermelho, Suricato não vê problemas em levar a carreira solo adiante enquanto faz parte de um dos decanos do Rock Brasilis oitentista. “Ninguém ai é mais garoto e então não tem essa de fazer 16 shows por mês. Dá para conciliar com o Barão. Temos o mesmo agente. Isso me permite poder conduzir o meu trabalho, ter duas agendas simultâneas. E o grande barato disso é poder viver dois espaços distintos, que é o de criar sozinho mas também haver momentos onde o que vale é pensar coletivamente”, filosofa.

Mesmo empenhado em mostrar seu talento como compositor, Suricato abriu uma brecha no álbum para render tributo ao grande artista nacional que foi Belchior. “Acho que o contexto social atual me levou a revisitar Como Nossos Pais. Belchior era fã de blues assim como eu. Percebi durante o processo de autoconhecimento que resultou no disco, que a gente repete inconscientemente alguns padrões de outras gerações. Reconhecê-los dentro de mim e aperfeiçoá-los foi a parte mais dolorida e linda desse processo”, admite Suricato, que pôs a guitarra como elemento de destaque nesta releitura bluesy.

E tocando este instrumento, com o qual guarda relação mais do que especial, Suricato já gravou com Ana Carolina, Moska, Zélia Duncan, Fito Páez, Tiago Iorc. Sua versão para Um Certo Alguém, de Lulu Santos, caiu no gosto do hitmaker que acabou gravando-a em duo e adotou o arranjo nos shows das turnês seguintes, convidando-o a participar de sua performance no Palco Mundo do Rock in Rio.

 

 

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