Sandra de Sá: 65 anos de muito soul

Sandra de Sá - Foto: Beto Gati

Vidas negras importam e têm algo a dizer. Neste 27 de agosto celebram-se os 65 anos de Sandra de Sá, a grande dama do soul brasileiro. E neste complicado 2020 a cantora completa 40 anos de uma brilhante carreira. Sua gravadora, a Sony Music Brasil, disponibiliza nesta data três álbuns, um compacto e quatro compilações da artista nas plataformas de streaming.

Além dos álbuns da cantora que já podiam ser acessados nas plataformas digitais, chegam “Sandra de Sá” (1988); “Sandra!” (1990); “Lucky!” (1991), além de um compacto de 1986 com a balada “Entre nós” (em duo com Michael Sullivan) que traz no lado B uma canção pop instrumental, “Love time”, do gruplo Clock; além das coletâneas “O melhor de Sandra de Sá” (sua primeira compilação, de 1989) e seus volumes das séries “Acervo” (1993), “Focus” (1999) e “RCA – 100 anos de música” (2001).

Sandra de Sá queria ser psicóloga e não acreditava que viria a a fazer sucesso – Foto: Raissa Fortes

Trata-se da fase de maior sucesso de Sandra de Sá, seis anos depois de sua arrebatadora estreia no Festival MPB 1980 da TV Globo com “Olhos Coloridos” (Macau), um libelo em prol da afirmação do povo negro. “Foi uma fase de ampliação de conhecimento e de reconhecimento da minha própria arte. Ainda estava muito crua no meio artístico, pois não fui do tipo que passou a vida inteira querendo ser artista. Queria ser psicóloga, música para mim era um hobby, saía naturalmente, era como respirar. Até me convencer de que havia um mercado, um mecanismo para as coisas acontecerem, altas estratégias, demorou um pouco. Aprendi muito durante essa época e tive certeza que só eu mesma poderia escrever minha própria história na música”, explica a intérprete em entrevista exclusiva para este lançamento.

Capa do álbum 'Sandra de Sá', de 1988 - Foto: Divulgação
Capa do álbum ‘Sandra de Sá’, de 1988 – Foto: Divulgação

Foi justamente a partir de 1986, ao ingressar na extinta RCA que a carreira da cantora deu um salto de popularidade. O então diretor artístico da empresa, Miguel Plopschi, colocou a dupla de hitmakers Michael Sullivan e Paulo Massadas e o arranjador Lincoln Olivetti no time da artista e foi só alegria. Após o sucesso do álbum de 1986, a artista mudaria o nome e logo o estampou na capa do seguinte, “Sandra de Sá” (1988), mantendo a linha musical do trabalho anterior. “Foi a continuação de um grande estrondo. A canção ‘Bye, Bye Tristeza’, de Marcos Valle e Carlos Colla, até hoje não posso deixar de fora dos shows. Agrada a todas as idades. É curioso porque desde o começo eu canto essa música não pensando num romance, mas como um hino do ser humano, que quer ser feliz. Outra desse disco que sempre pedem é ‘Alma gêmea’. No próximo show, já vou ensaiar para colocar no roteiro”, afirma a cantora que também brilhou neste trabalho em dueto bilíngue com o astro Billy Paul, na balada “Amanhã”, assinada pela grife Sullivan & Massadas. Lembre aqui “Bye, Bye Tristeza”, em emocionante apresentação ao vivo de Sandra de Sá e banda, em 2003, no Rio:

Mas nem só os sucessos marcantes estão no álbum de 1988. Há pérolas que merecem ser libertadas das ostras que o tempo fechou, verdadeiros tesouros do soul produzido no Brasil, tais como “África” (Gil Gérson/ César Rossini), “Cartão Vermelho” (do recém-falecido Renato Barros e Clarice Pinto) e “Ninguém Tem Culpa” (Júnior Mendes/ Sandra de Sá), e a pop latina “Calibre grosso” (Efson / Odibar).

Uma curiosidade do trabalho é a participação dos Titãs na faixa “Tempo”, um presente de Arnaldo Antunes e Paulo Miklos para a cantora de voz marcante e poderosa na melhor escola do R&B que teve a oportunidade de mergulhar no rock . “Costumo dizer que faço funk’n’roll e rock and soul. Na verdade, eu era colada com os Titãs. Quando eles vinham de São Paulo para o Rio eu ficava com eles, e vice-versa”, diz, afirmando que tinha ótima relação com diversos roqueiros da época.

Capa de 'Sandra!', de 1990 - Foto: Divulgação
Capa de ‘Sandra!’, de 1990 – Foto: Divulgação

O álbum seguinte, “Sandra!” (1990), é apontado pela crítica como o mais eclético trabalho da cantora. “Este disco é o culpado de toda essa reedição, brother! Eu liguei para o Paulo Junqueiro (presidente da Sony Music Brasil) e disse: ‘Quero relançar este álbum porque as pessoas pouco o conhecem e é uma das coisas mais fortes que já fiz na minha vida. Esse encontro de Nelsinho Motta (na produção) com o Guto Graça Mello (na direção musical) saiu faísca”, elogia. “Apesar de todos os meus discos serem diversificados, este álbum acentua isso tudo. Na época, estava sufocada, precisando me renovar e pedi isso à gravadora. Não chegou a ser um estouro quanto os outros porque eu, Guto e Nelsinho fomos mais ousados que o mercado”, acredita ela, que, no entanto, emplacou a balada “Quem é você”, versão de Motta para “Love Will Lead You Back” (Diane Warren), originalmente gravada por Taylor Dayne, cuja versão na voz de Sandra entrou na trilha da novela “Mico Preto”.

Mas “Sandra!” ia muito além da balada que virou sucesso. Ali podem ser encontradas duas preciosidades do soulman Cassiano – “Cinzas” e “Slogan”, esta última com participações especialíssimas de Djavan e Marina Lima. “Uma vez, o Cassiano me disse que o mais importante da música você não ouve. Só fui entender isso uns 25 anos mais tarde. Na verdade, o sentimento puro de fazer as coisas é o que importa”, comenta Sandra. Além dessas, havia mais recriações, como a do clássico “Charles, Anjo 45”, de Jorge Ben Jor, em versão samba-reggae, sem instrumentos de harmonia, apenas com o batuque do Olodum. “Não é fácil cantar sem harmonia e ainda mais com um suingue desses, que te leva para viajar. Uma coisa forte que a gente pega uma reta e vai. Eu estava possuída, em transe, quando gravei”, diz a cantora. Ouça aqui a versão de estúdio de “Slogan”, com Sandra, Marina Lima e Djavan:

Havia ainda “Send Me to The Eletric Chair”, um velho petardo blues do repertório da lendária Bessie Smith, gravada originalmente em 1927. “Foi a primeira e única vez que gravei em inglês”, destaca Sandra. E o produtor Nelson Motta contribuiria com uma versão para o clássico “Cry Me a River”, sucesso cool de Julie London, nos anos 1950, que virou “Como Um Rio”. E ainda inéditas como o funk/soul “Arroxo” (Hubert/ Mu Chebabi/ Robertinho Freitas); a suingada “Mandela” (Ronaldo Barcellos/ Guto Graça Mello), a balada soul “Blue eyes” (outra de Ronaldo com o tecladista Jorjão Barreto); o rock explosivo “Eu Quero Alguém” (Cazuza / Renato Rocketh); e uma balada “Imensamente Só” (Frejat).

Capa de 'Lucky', de 1991 - Foto: Divulgação
Capa de ‘Lucky’, de 1991 – Foto: Divulgação

Já o álbum seguinte, “Lucky!” (1991) aponta outras vertentes para a carreira de Sandra, de Sá, oscilando entre o pop de vanguarda e as canções de apelo romântico-popular. A faixa-título, mais uma do baixista Renato Rocket, esbanjava ousadia, um funk-rap só com nomes de mulheres, num gênero que só se solidificaria anos mais tarde no mercado. Ao mesmo tempo, dividia vocais com o ídolo Tim Maia na balada “Não tem saída” (Augusto César/ Paulo Sérgio Valle) e com Lobão na canção “Mais do Mesmo”, da Legião Urbana. Fez uma bela e marcante releitura para “Blues da Piedade” (Frejat/ Cazuza) e gravou ainda o baladão “Contrato Assinado” (Chico Roque/ Paulo Sérgio Valle), que viria se sagrar-se como maior sucesso do álbum, depois de ser incluído na trilha da novela “De corpo e alma”. E um velho hit parade dos anos 1960 (“Can’t Take My Eyes Off of You”) ganhou versão assinada pela própria artista em “I love You Baby”. Ouça aqui a poderosa “Lucky” com sua pegada rapeada, improvisos de sintetizador e uma linha de contrabaixo que não deixa nenhum ser humano parado:

Sandra de Sá é uma das grandes cantoras da música brasileira. Parabéns, Diva Black!

 

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